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  • 2 de set. de 2008

    TRAUMA PARA VIVER

    * Texto enviado ao Jorge Hessen, referente ao artigo: "LIMITAÇÃO FÍSICA E AUTO-SUPERAÇÃO". Disponível no site: www.jorgehessen.net (Ano 2008, número 43)

    A verdadeira dor é aquela sentida por nós mesmos. É quando e comosabemos avaliar, no instante da dor. A dor passa e a cicatriz fica,permanece para dizer que ali passou a dor de um acidente, que deixouseqüelas para o resto da vida. O corpo marcado por traumas... E só o próprio acidentado poderásuperar todos os obstáculos, exigindo dele muita determinação,aceitando novas regras para viver com as suas limitações... É quandoele está preparado para trilhar uma nova vida. A criatividade será seu fator fundamental, pois o indivíduo teráde criar conceitos e a vontade de reverter uma nova identidade nomundo, tão exigente e paradoxal. A mente que estava acostumada a fazer as mesmas coisas passará aaceitar novos comportamentos, exercitando um outro lado adormecido nocérebro. É o efeito da modificação do corpo, forçado pela novasituação, para a mente. Por exemplo: se um dos membros superiores ouinferiores perder os movimentos, o outro lado terá de suprir estadificuldade com as mesmas perfeições, ou quem sabe, melhor. Há casos,em que traumas por acidentes causam danos irreparáveis. No entanto,mesmo nestas situações, não se deve perder a esperança de voltar a serútil à sociedade. Para essa faixa de deficientes, o convívio com a sociedade é, demodo geral, um grande benefício. È quando a família dará maisestímulos, para que o "doente" retorne às suas atividades de vidadiária. O acompanhamento psicológico é de suma importância para oequilíbrio emocional do dependente. Para que possa aceitar esta novacondição, frente à convivência com indivíduos sem deficiência, e destemodo, enfrentar melhor as comparações capacitivas que poderão serfeitas. É neste momento que nasce o desejo de viver em comunidade. Há uma grande diferença entre aqueles que nascem com a deficiênciae os que a adquirem em acidentes. Os primeiros são crianças que só vãoter consciência e noção exata do seu estado, após um ano de idade ouaté mais tarde. Perceber esta deficiência, nascida com o indivíduo(congênita) ou conseqüente de um erro médico (iatrogênica), após onascimento, caberá aos pais ou a um profissional de saúde. Para estafaixa, o "trauma" não é decorrente de um acidente, mas é, na verdade,conseqüência de algum "erro" durante a gestação, parto ou na fase derecém-nascido. Esses indivíduos são criados com "esses pensamentos" esó vão mudar de idéia quando tiverem a necessidade de viver de maneiraindependente. Já os que adquirem a deficiência, são os mais difíceis de seremreabilitados. Primeiro, eles não se conformam com a sua situação aprincípio. Segundo, sentem-se abandonados por todos, tememrelacionamento, rejeitam a convivência, isolam-se como um caracol.Passam a viver com o seu sofrer, imaginam-se desprezados por Deus. Para mudar esse quadro é necessário ver outras pessoas emsituações piores ou iguais à sua. Daí, então, o deficiente faráesforços incomuns para reverter este quadro. Tudo dependeexclusivamente dele querer voltar a viver. Para melhor exemplo cito o meu caso: tive fraturas múltiplas nobraço e mão direita. Perda de substância óssea e cutânea em mais de2/3 no antebraço e mão direita. Passei por 8 cirurgias no local e tiveque fazer enxertia cutânea na região afetada. Vejamos o que diz oRelatório Médico: "Esmagamento do 1/3 distal do antebraço direito comfraturas cominutivas expostas do rádio e cúbito, ossos do carpo emetacarpo, lesão dos aparelhos tendinosos flexor e extensor e dosistema vásculo-nervoso dos dedos, com perda de substância cutânea eóssea. Ferida lácero contusa ao nível de 2/3 superior do antebraçodireito com perda de substância cutânea e muscular. Abrasão de todo oantebraço direito. Feridas abrasivas de face, braço e ombro direito". Passei por longo período de tratamento fisioterápico comexercícios, choques elétricos e banho de parafina quente, etc. Emcasa, treinava uma nova ortografia, passei a escrever com a mãoesquerda. Foi um longo tempo de aprendizado. Tudo isso como conseqüência de um acidente no veículo de trabalho.Depois da alta médica, fui demitido do emprego por injusta causa. Nomeu lugar, já tinha outro e "não há vaga para um deficiente". Foramestas palavras que ouvi da direção da empresa. Não aceitaram meusargumentos e, assim, recorri novamente aos braços do INSS. Acionaram oserviço social do órgão e nada fizeram para eu manter o cargo quetinha, só conseguiram o meu retorno, porém na empresa deram-me umafunção que achavam compatível com a minha capacidade laborativa:almoxarife, função essa na qual é obrigado o uso das mãos; carregar,conferir, armazenar e catalogar as mercadorias recebidas e saídas dodepósito. Mesmo assim, fiquei, precisava ganhar dinheiro parasobreviver. Mas não agüentei, saí em pouco menos de um mês. Não foi por falta de capacidade minha em não retornar para aantiga função (comprador de diligência), mas sim, por puro preconceitoda direção da empresa para com os deficientes. Os excessos e esforçosdo novo serviço obrigaram-me a pedir a minha saída da empresa. Eraisso que eles queriam. Fiquei a ver navios no porto da desilusão. Estava desempregado.Minha sorte foi que eu era solteiro e meus familiares me ajudaram asuperar mais esse drama. Evoluí culturalmente e passei a escrever àmáquina, também com a mão esquerda. O tempo passa e as tentativas deempregos se multiplicaram, até que me tornei um exímio datilógrafo e,só assim, retornei a vida trabalhista devido também a muitos pedidos,através de cartas e pessoas amigas. O mercado de trabalho, já naquelaépoca, aceitava um deficiente físico com muita dificuldade. Os meusesforços e vontade de vencer superaram a desilusão. Fazendo uma analogia a um grande nome que viveu no séc XIX –"Joaquim Augusto Ribeiro de Sousa, brasileiro, nasceu em 1825 e morreuem 1873. Artista dramático. Foi o primeiro ator nacional a interpretardramas da escola realista, introduzindo-a nos palcos brasileiros. Foio segundo abaixo de João Caetano em popularidade, pelo alto poder deinterpretação. Atingiu o apogeu nos palcos a partir de 1851. Teve umgrande mérito, conseguiu superar nos palcos suas deficiências físicas,pois era cego, manco e surdo. Morreu como nasceu: pobre e esquecido".(Dicionário Histórico da Língua Portuguesa) A vida de Joaquim Augusto Ribeiro de Sousa foi um exemplo dedemonstração de força de vontade e determinação em seus ideais. Elemostrou ao público daquela época, muito exigente, e principalmente asi mesmo, a necessidade de superação em manifestação pessoal das suasdeficiências. Escolheu a profissão mais difícil de ser executada, asArtes Cênicas. Foi louvado como ator. Mas, o mérito maior foi realizar –se comodeficiente; fazer o que muitos normais não fazem por falta de corageme por não terem dom para executar as interpretações ao vivo. Aindamais com tripla deficiência, obtendo respeito à admiração do público.Os aplausos recebidos não eram por piedade, mas sim um clamor deentusiasmo à vida. Isto mostra o quanto o ser humano é capaz de superar qualquertrauma e aprender a valorizar a vida mesmo com deficiênciasirreparáveis. Para a Medicina, a nobre ciência "a vida deve serconquistada até os seus últimos minutos". Os atos das pessoas que ajudam aos deficientes também sãomeritórios, a sua ajuda é muito valiosa. Tornam-se auxiliares sociaisem devolver, incentivar no processo de recuperação e reinserção,criando situações renovadoras ao dar esperança para aqueles que já nãoa têm. Estender uma mão amiga é gesto filantrópico que todos devemfazer. Há os deficientes mentais, da visão, da audição e os da fonética.Para esses, o quadro não é muito diferente da maioria. Requer maioresconcentrações em suas deficiências; confiar o que os olhos não vêem, ésentir mais o que o sentimento traduz. Comunicar-se com gestos o que avoz não transmite. São valores perceptíveis que só o deficiente sente.Armazenados no cérebro, só aparecem nas pessoas que realmenteprecisam. São chamadas de percepções ampliadas dos sentidos. É umadádiva que o Criador deu como oportunidade para viver, mesmo com alimitação. Caro leitor se tem alguma deficiência, faça uso desses poderes everás que a vida volta a sorrir.

    Álvaro B. Marques
    Salvador - Bahia