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  • 16 de jul. de 2012

    SOBRE O CENSO DE 2010 - ALGUMAS REFUTAÇÕES



          Caro Jorge,
          Li agora o artigo sobre o censo de 2010, que possui dados sobre a filiação religiosa de nossa população, focando especificamente a nossa doutrina.
          É inegável que existem eventos que dificultam imensamente, de modo quase proibitivo, a participação dos segmentos menos favorecidos socialmente.
          Entretanto, creio, em humilde e falível opinião, que não procedem, a partir do perfil majoritário de nossos confrades, determinadas constatações que tendem a apontar um caráter elitista, e até mesmo racista, no conjunto dos irmãos espíritas do Brasil.
          Eu já lera conclusão similar em outras fontes, envolvendo a nossa seara, e também outros aspectos da vida nacional, em que a população “branca” predomina.
          As aspas são devidas à virtual impossibilidade de classificar etnicamente grande parte das pessoas de um país onde a miscigenação é a regra, não a exceção, como ocorre no hemisfério norte; a quase totalidade das famílias é resultado, em nível variado, da colaboração de irmãos das mais diversas procedências.
          A minha família é típica, pois temos muitos sobrenomes italianos, origem de meus avós em fins do século XIX, e foi enriquecida com nomes bem brasileiros, na verdade portugueses, mas também japoneses e espanhóis, além de casamentos com os dignos representantes da nacionalidade pátria, que são os caboclos sertanejos, por sua vez profícua mistura de negros, índios e lusitanos; desse modo, a geração mais recente não teria “cor” definida, senão pela aparência . . .
          Esta digressão pretende mostrar que não faz sentido, a classificação racial em nosso país, nem deveria ter efeito prático, uma vez que ela é, de fato, social, e, ultimamente, apenas oportunista; esta tendência é resultado da desastrosa e deletéria política de “igualdade” étnica cometida pelo governo nos últimos anos.
          De repente, tornou-se vantajoso declarar-se negro para aproveitar as benesses das cotas raciais, excrescência absurdamente injusta, que detém o explosivo potencial de conseguir, em médio prazo, estabelecer a inusitada rivalidade étnica numa terra onde prevalece a convivência amistosa.
          Afirmo, com pouco medo de errar, que, se tomássemos uma amostra estatisticamente válida da população espírita e a colocássemos na disputa de uma vaga em universidade federal, o percentual de negros, autodeclarados porque não existe outro meio de definição, estaria muito, mas muito mesmo, acima dos que o fizeram por ocasião do censo.
          As cotas são também particularmente nefastas, porque mascaram a verdadeira causa da desigualdade social, que é a condição financeira; e nada existe de casual no cenário desairoso que historicamente tem relegado grande parcela da população negra aos patamares inferiores da sociedade, uma vez que vieram de condições desumanas, de vileza inenarrável, e não receberam qualquer amparo oficial ao adentrarem o mercado de trabalho.
          Essa omissão, criminosa, continuará com o sistema de cotas, com o agravante de o governo alegar, sordidamente, que procura diminuir as diferenças; não o faz realmente, porque teria que ensinar a pescar, mas prefere distribuir pequenos peixes que alimentarão somente o descontentamento e o revanchismo.
          O perfil social do espírita brasileiro é apenas conseqüência desse círculo que sempre foi inercial e tende a se tornar vicioso.
          Colaboram também as características de nossa doutrina, que exige o constante aprimoramento pessoal, motivando o adepto sincero a se manter como estudante dedicado em tempo integral, no esforço, que certamente durará muitas existências, de compreender e praticar os ensinamentos de Jesus.
          Não é, absolutamente, tarefa a que devam arrojar-se aqueles que pretendam resultados imediatos e superficiais.
          Muitos irmãos têm os primeiros contatos com a nossa doutrina na hora da necessidade ainda não atendida por outras vertentes científicas – incluindo a medicina, normalmente dominante –, filosóficas ou religiosas; são bem recebidos, recebem orientação, consolação, esperança e começam, de algum modo, a conhecer os fundamentos espíritas.
          Quase sempre, as leituras iniciais consistem em romances e narrativas vazadas em textos simples e diretos, corretas sob o aspecto doutrinário, mas insuficientes para o constante aprimoramento pessoal, que é uma lei irrenunciável do Espiritismo; raramente, o novato adentra os ensinamentos insubstituíveis das obras obrigatórias para a dedicação efetiva às verdades espirituais, que começariam pelo Evangelho Segundo o Espiritismo.
          Muitos sequer atingem esse patamar, optando pela acomodação inadvertida, situação bem mais confortável que o estudo das complexidades conceituais da verdadeira postura cristã; limitam-se, no mais das vezes, ao comparecimento semanal, se tanto, a palestras para receberem o passe que os “sustentará” por algum tempo.
          Porém, o fator decisivo para a inércia, ou mesmo abandono, é a “exigência” da fé viva, patrocinada pela prática concreta dos ensinamentos cristãos, refletindo-se no cumprimento da assertiva de Kardec de propugnar a reforma íntima como a única prova indiscutível de aceitação do Espiritismo.
          Considere-se ainda o grau de comprometimento e, principalmente, de esforço individual indispensáveis para o bom termo de estudos essenciais, como o ESDE e o ESLE, e concluiremos que somente irmãos dotados de robusta força de vontade e sólida base intelectual estariam à altura da tarefa pretendida.
          O espírita sabe que deve abster-se de comentar criticamente outras religiões, mas, quando parte relevante da própria comunidade espírita lamenta o alcance numericamente inferior de nossos eventos e iniciativas, sob a suposta tendência elitista, entendo válido o cotejo honesto e isento.
          Assim, enquanto irmãos de outra fé prometem a solução de todos os problemas de seus adeptos, por meio da oração, pondo tudo “nas mãos de Deus”, o Espiritismo conclama a atitudes por vezes difíceis, quando não “antipáticas”, como esforço, abnegação, resignação, paciência, caridade, tolerância, propondo o resultado positivo como mérito de cada um.
          Alguns prometem o paraíso para os que seguirem as suas palavras, e a nossa doutrina desvela a lei da evolução constante, pelo trabalho incansável e pela prática cristã incondicional.
          Em várias organizações, o cumprimento de regulamentos e objetivos confunde-se com procedimentos empresarias, a tal ponto que aos mais destacados é oferecida a possibilidade de carreira ascendente no âmbito administrativo e doutrinário; a seara terrena de espiritualização cristã não estabelece dogmas ou restrições pessoais, não mantém clero profissional e nem busca qualquer destaque econômico, social ou político, afastando-se completamente de toda tendência corporativista.
          Em suma, ninguém vive do Espiritismo, mas para ele. 
          Outros predizem o iminente retorno de Jesus, ou a subida até ele, para salvar os bons e condenar os maus a penas intermináveis; o Espiritismo mostra-nos que já estamos na vida eterna, que se tornará cada vez melhor conforme aproveitemos as incontáveis oportunidades de expiação e reerguimento.
          Existem ainda irmãos, em infeliz e renitente desconhecimento, que enxergam demônios em todos os problemas que não conseguem explicar; nossa doutrina ensina que são, todos eles – esses irmãos e os “demônios” –, filhos do mesmo Pai Criador, que os ama da mesma forma que a nós todos, o que manda que também os amemos e procuremos aliviar-lhes as dores da ignorância.
          Muitos invertem o ditame bíblico e criam um Deus à sua própria imagem e semelhança, em antropomorfismo extremo e conveniente, idealizando um ente supostamente supremo, embora sujeito às emoções humanas, que se compraz com rituais e bajulações, mas é também ciumento e vingativo; o Espiritismo explica o Criador no grau absoluto das virtudes.
          A maioria coloca a Bíblia num pedestal, sempre merecido, porém a interpretação de muitos irmãos é superficial, atém-se ao significado literal de palavras e expressões que são a tradução, “em quarta ou quinta mão”, de idéias expressas há milênios em línguas desaparecidas, como o aramaico, ou completamente modificadas, como o grego e o hebraico.
          O Espiritismo mantém a Bíblia em seu patamar de honra inigualável, e a respeita explicando seus ensinamentos em livros insuperáveis e profundos; não se limita à catequese mas chega a obras sublimes e complexas como A Gênese, cuja compreensão exige prodígios de dedicação, raciocínio e estudo.
          Sempre será possível argumentar que há muitos seres desprovidos de cultura formal, pouco dados à leitura, que, ainda assim, são praticantes fiéis das verdade evangélicas, porém são reconhecidamente poucos, já vieram a este mundo com a sabedoria inata, provinda de sacrificantes existências anteriores, e exercem a moralidade de modo natural e irresistível.
          Contudo, à parte desses aparentes privilegiados, a maioria de nós precisa assimilar a ética cristã pela maneira mais direta e penosa, compulsando livros e exemplos, para que o conhecimento moral que nos falta seja paulatina e lentamente adquirido e venha a fazer parte de nossa natureza intrínseca.
          O Espiritismo oferece o caminho natural para a futura felicidade crística, sem saltos ou milagres, sem receitas infalíveis, mas propõe-se a ajudar o ser verdadeiramente interessado a superar obstáculos por seus próprios méritos.
          A conseqüência inevitável é que o espírita fica muito exigente consigo mesmo, pois o Espiritismo lhe evidencia que esse é o único caminho, expondo uma verdade que não se tornará popular muito rapidamente para a nossa humanidade, ainda em busca panacéias para as suas dificuldades, estando mais propensa a acompanhar quem as ofereça.
          A compreensão das verdades eternas – que não são espíritas, são divinas – será um processo gradativo em função das limitações do ser encarnado, e será acelerada à medida que a humanidade se aprimore moral e intelectualmente.
          Retornamos, assim, ao raciocínio inicial: o estudo e a prática do Cristianismo redivivo exigem raciocínio, dedicação e preparo cultural - no mínimo, a disposição para implementá-lo - de irmãos já acostumados a exercer essas capacidades.  Esses são encontráveis em todos os estratos da população, mas é inegável que alguns grupos sociais usufruem facilidades que ainda faltam a outros, e não há motivos para preverem-se melhoras radicais em médio prazo, pois a ação de quem detém os meios e o dever de mitigar as diferenças ainda é incipiente.     
          Porém, não desanimemos, porque alguém já disse que a verdade não precisa de defensores, precisa de praticantes.
          Por isso, se nós, espíritas, estamos convictos do acerto de nossa opção, prossigamos, transmitindo o que aprendemos a quem quiser ouvir, seja uma praça repleta, um auditório lotado ou uma sala singela; o aprendiz sincero sempre saberá onde buscar o professor, a fonte estará sempre ao alcance dos que deploram a sede.
          Mais importante que o emprego maciço dos meios de comunicação é o atendimento às necessidade materiais e espirituais de tantos desfavorecidos da sorte terrena; o nosso investimento preferencial tem que privilegiar o espírito encarnado, sendo secundário o emprego dos recursos tecnológicos de informação, que podem e devem ser utilizados, mas em prioridade menor que a missão da caridade. 
          O Espiritismo não precisa preocupar-se com a inferioridade numérica de seus correligionários, nem com o crescimento pouco acelerado de seus praticantes em relação a outras denominações religiosas; sustenta-o, infalível a harmonia indissolúvel de sua doutrina religiosa, filosófica e científica.
          O espírito competitivo, para arrebanhar prosélitos e colaboradores, é absolutamente incompatível a qualquer religião que pretenda o progresso moral da humanidade; os espíritas sinceros, genuinamente preocupados com a consolidação terrena de nossa doutrina, precisam observar os bons exemplos, em nossa seara e também em outras organizações, assumindo aqueles que incentivam a prática da virtude maior da caridade.
          Os espíritas devem, sim e sempre, observar criticamente a si mesmos, para que exercitem, no limite de sua capacidade, o mandato de amor que o Mestre Divino outorgou a todos que desejarem segui-lo.
    O comportamento correto, a caridade incondicional e a fraternidade indiscriminada constituem a melhor divulgação de nossa doutrina, que chegará, a seu tempo, a todas as mentes sensíveis à sua evocação de paz e felicidade. 

    Bom irmão, obrigado pelo comentário.
    Ao refletir a propósito de suas inteligentes ponderações busquei o pensamento de Oscar Wilde - “Ah! Não me diga que concorda comigo! Quando as pessoas concordam comigo, tenho sempre a impressão de que estou errado.” Ajuizando o tema discutido entendo que permaneço no caminho que me trás consistente certeza de que o assunto é pertinente.
    Quando minutei o texto ,  cometi-o  impelido por sustento fraterno a fim de gerar  profícuo debate e , pasme!  tem sido o artigo mais lido do meu site. O assunto carecia ser ventilado, sem dúvida nenhuma.  Amigo, antes de  escrever o texto   tinha granjeado comentários de alguns confrades cujo comportamento deixou-me perspicaz. Pensei cá comigo:  por que os espíritas são os mais instruídos, os mais aquinhoados?  Em face disso esquadrinhei os contraditórios. Permaneci empolgado com as idéias que fluíram-me à mente e  formatei o artigo em questão, deliberando logicamente  publicá-lo. Quiçá, se por acaso  tivesse lido seus argumentos , certamente aproveitaria muito da profundeza das ideias que me expediu.
    Se entender que posso publicar  seus arrazoados  no meu blog de O Rebate é só comunicar e reenviar-me  o mesmo com formato de artigo.
    Aprecio  debates serenos. Como você percebeu fiz o artigo baseado nos frígidos dígitos do IBGE , destarte, deixei-me conduzir pelas inspirações,  que ao assiná-las,  sabia que elas são obviamente  ratificáveis mormente os equívocos e/ou excessos.  Sei que cada ideia difundida urge assumirmos a total responsabilidade das consequências que elas possam provocar.
    Chico Xavier é minha grande inspiração e ele foi a fonte-mor para embasar as palavras do artigo, sobretudo quando ele, o Chico , desde da década de 70 , tem admoestado sobre a tendência elitizante do movimento espírita brasileiro. Fiz, portanto,  uma leitura que não é nova na base das minhas informações espíritas.
    Como escrevo para discutir o movimento espírita, obviamente os meus argumentos tem como foco “provocar discussões” precipuamente com os empenhados na coordenação do Mov. Espirita.
    Numa coisa somos concordes e sobre isso você bem destacou : “É inegável que existem eventos que dificultam imensamente, de modo quase proibitivo, a participação dos segmentos menos favorecidos socialmente.”
    Por isso, destaco no artigo o “Projeto de Interiorização – Espiritismo para os simples” Como faço referência  no texto  considerando e excelente artigo intitulado “União com fidelidade, simplicidade e fraternidade”, do César Perri, Vice-Presidente da FEB que tem como base há necessidade de revisão de algumas estratégias e posturas, para se ampliar a difusão do Espiritismo em todas as faixas etárias e sociais. (...) entendemos que o acolhimento dos simples [espíritas desempregados, iletrados, pobres] no ambiente das reuniões espíritas é tarefa de primordial importância nos tempos em que vivemos.  Para Perri a realização de eventos federativos e de divulgação devem ter como parâmetros o que é simples e viável para a maioria das instituições e dos espíritas.
    À semelhança do Movimento Cristão, dos tempos apostólicos, a Doutrina dos Espíritos precisa se fazer robusta nos núcleos Espíritas simples, situados nos lugarejos de infortúnio, nos assentamentos, nas favelas, nos bairros miseráveis, nas periferias urbanas esquecidas.
    Realmente , Amigo, nada justifica o desânimo. Não podemos jamais desestimular-nos, desta maneira, não desanimemos, até porque a Doutrina Espírita “caminhará com o homem, sem o homem e apesar do homem.” Mas, Ela a “Doutrina dos Espíritos” “Será o que os homens fizerem dela”. 
    O Espiritismo não necessita de causídicos, contudo, espera a cooperação de divulgadores moralmente comprometido com a honestidade, com a honradez familiar, com o vigor da coragem e de confrades avigorados na lida do amor.
      Das seis etapas da programação espírita elencadas pelo mestre de Lyon  a última etapa, no plano terreno, deverá ser a concretização da transformação social. Mas,  como fazê-lo?
    Será que fechando nossos olhos e corações e afastando-nos da população padecida, analfabeta, negra, amarela, vermelha, branca (da periferia) e indigente, lograremos contribuir para a transformação social?
    Para nos aproximar da massa popular é totalmente reprovável qualquer tipo de proselitismo, basta amarmos o próximo. Foi o iluminado médium Chico Xavier que admoestou: “É indispensável que o pratiquemos junto com as massas mais humildes, social e intelectualmente falando, e deles nos aproximemos.”
    Varando as sombras dos meus próprios defeitos não aceitarei e seria inconcebível aceitar um Espiritismo sem Jesus e sem Kardec para todos, com todos e ao alcance de todos.
    S.M.J.
    Abraço cordial
    Jorge Hessen