Meu caro irmão, muito bem ditas as suas palavras. O que você disse é de uma cristalinidade só.
Contudo,
não existe aquela célebre “atire a primeira pedra aquele que nunca
errou”? Pois é, eis um dilema que nos acompanha, e constantemente
lançamos mão dessa máxima para justificar nossas faltas.
Ter
consciência pressupõe a faculdade do bom senso, e isso sim, acho que é o
que nos falta. Não somos perfeitos, de fato, e um desvio ou outro
haveremos de ter. A questão é o quanto nos permitimos o desvio. O
corrupto, que arquiteta tomar para si aquela soma que não fará falta a
ninguém, segundo o seu entendimento, age com bom senso? Claro que não, e
a consciência do desvio também pouco importa para ele, porque não vê
como ilícito o seu ato. No trânsito, estamos cansados de ver atitudes de
egoísmo gratuito, apenas porque aquela pessoa “acha” que deve ter
prioridade, enquanto que é tão simples o princípio da equidade, da
igualdade de direitos – é mais corriqueira uma falta de educação do que
uma gentileza quando circulamos pela rua, não é mesmo?
Então
acho que é um dilema para nossa raça essa questão do bom senso e da
consciência, porque defendemos a atitude que tomamos, muitas vezes
baseados numa premissa equivocada, senão criminosa, esta última uma
verdadeira falácia dos princípios da ética.
Eu
já disse aqui pra você que meu pensamento sobre o nosso “estado da
arte” do que é ético, educado, remete ao que se deu durante a
colonização do Brasil, sobretudo após a chegada de D. João VI, com as
mazelas que se instalaram, e que se tornaram, ao meu ver, a semente da
malandragem e dos desvios que vemos tão corriqueiramente, a ponto de se
tentar diminuir uma ação criminosa e vergonhosa que é o “mensalão” a uma
simples prática de “caixa 2”, como se isso já não fosse delituoso, e
cujo objetivo é esvaziar o episódio, tentando nos imputar a ideia de que
“todo mundo faz”, portanto não há crime.
Acho
que a questão central da educação em nossa existência é o quanto nos
permitimos o desvio. O espírita autêntico, como você defende, prima pelo
não desvio. Eu vejo como um paradoxo, porque nosso objetivo é alcançar
esse estado de pureza, embora muitos de nós nem tenham ideia disso, e no
entanto seja uma tarefa difícil de se cumprir, devido à nossa própria
constituição imperfeita. Eu ainda estou cheio de imperfeiçoes, distante
da grandeza que vislumbramos para o nosso espírito.
DESONESTIDADE
E ESPIRITISMO NÃO SE COADUNAM
O termo
desonestidade é empregado para descrever os atos velhacos, a corrupção, a falta
de probidade, a ausência de integridade, o mentir ou ser deliberadamente falaz.
O mau caráter é adverso ao decoro; é indecente; é desonrado; é escandaloso e
assim vai...
A propósito,
será que realmente somos honestos? Não somos mentirosos? Contemporizamos com a
rapina, com as fraudes, a sonegação de impostos, a falcatrua. A rigor, ser
incorruptível requer disciplina. Ser honesto demanda disciplina moral e ética,
fadiga para abater más tendências, diligência por não se consentir desabar na
perdição das trapaças.
A
desonestidade remete à fantasia instantânea de levar vantagem inescrupulosa,
contudo certamente ficaremos a mercê da inevitável cobrança da consciência e
não há como enganá-la. A consciência não se corrompe; nela estão assentadas as
Leis de Deus, é ela que nos espicaça e traz a realidade das circunstâncias e
atos que praticamos quando agindo de má fé, utilizando-nos da infeliz lei do
proveito insensato.
Quando
alguma pessoa nos indaga se somos incorruptíveis, normalmente a indignação nos
invade a mente, só em ajuizar que alguém hesite de que somos honestos. Muitas
vezes nos pronunciamos honrados, mas será que verdadeiramente o somos a todo
instante ou é só de fachada essa virtude?
Se
raspamos ou amassamos involuntariamente um automóvel no estacionamento, cujo
dono não está presente, tendemos fugir do local, em vez de colocarmos um aviso
do incidente, deixando nosso telefone num bilhete para contato. Quantos são os
que não obedecem a ordem de uma fila dos bancos, cinemas, hospitais etc, e
arquitetam meios escusos para ocupar o
local reservado aos que chegaram antes?
Habituamos
aquilatar negativamente assaltantes vigaristas, homicidas, encarcerados de
penitenciária de forma geral. Todavia, será que fora das prisões há superávit
de gente honesta? Quantas vezes compramos produtos de origem duvidosa para
sonegarmos impostos? Quantas vezes devolvemos o troco que o caixa do
supermercado nos deu a mais? Quantos mecânicos de automóveis, técnicos de
geladeiras, de televisão, máquinas de lavar, de computadores, mentem para
cobrar mais caro?
Quantas
vezes estacionamos na vaga de idoso ou deficiente sem sermos um idoso ou
deficiente? Quantos usam de sua autoridade para anular multas de trânsito?
Quantos bebem alcoólicos e assumem a direção de veículo nas estradas? Não
assombra que administradores se apropriem das verbas publicas, e que
empresários demitam para terem máximo lucro.
Segundo
estatísticas consagradas, o Brasil é um dos países campeões mundiais em
corrupção, fazendo associação a determinados países africanos diminutos. Que
tipo de ambição exorbitante e estúpida está na base da deficiência de caráter
capaz de olvidar todos os escrúpulos para com a consciência e arremessar-se tão
sagazmente no cofre do Estado? Não somos o primeiro, o único ou o último a
anunciar esse séquito de vícios, contudo a mídia, frequentemente, noticia e
expõe tais fatos francamente execráveis e com grande repercussão negativa.
Algumas
vezes pronunciamos da tribuna que o verdadeiro espírita é honesto em tudo que
faz. Se for presidente de uma casa espírita, precisa apresentar as
movimentações financeiras aos frequentadores. É indispensável haver
transparência na prestação de contas, mensalmente, com os contribuintes da casa
espírita. Cremos que é simples obrigação afixar, no “quadro de avisos” ao
público, a comprovação da correta aplicação dos recursos recebidos. Os
dirigentes que assim procedem veem patenteadas a credibilidade da instituição
que administram e a pureza de suas intenções.
Quando
os dirigentes são omissos e não prestam contas, é evidente que ficamos atônitos
e envergonhados, principalmente quando sabemos, pela imprensa, que algumas
instituições "filantrópicas" desviam recursos, emitem recibos forjados
de falsas doações, deixam de pagar impostos etc...
É
imperdoável haver instituições que recebem, à guisa de doações, roupas,
calçados, alimentos, eletrodomésticos etc, e os administrantes se apropriem
delas. É irredimível existir instituições que aceitem doações, até de objetos
valiosos, e seus diretores se apropriem das melhores peças antes de os exporem
em bazares ditos "beneficentes".
A
prudência continua sendo a nossa melhor conselheira. Por questão de consciência
ética, sabemos que um autêntico espírita tem que ser fiel aos princípios que a
Doutrina dos Espíritos impõe e ter noção de que honestidade é prática
obrigatória para todo ser humano, sobretudo para um cristão. Ou será que
devemos reivindicar pedestais nos panteões terrenos por executarmos dignamente
aquilo o que é nossa obrigação fazer? É imperiosa a quebra de valores
invertidos, com o banho de ética, com a recuperação da honestidade.
Na
condição de espíritas cristãos, sabemos que, para a consubstanciação da
"Pátria do Evangelho", será imperativa uma renovação mental e
comportamental urgente no País. Se quisermos viver um panorama social
harmônico, devemos nos empenhar para promover uma reforma ética generalizada,
entronizando a força da integridade moral.
Jorge
Hessen
http://jorgehessen.net