Jorge Hessen
http://jorgehessen.net
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Balpreet
Kaur, uma estudante do segundo ano de neurociência e psicologia na
Universidade de Ohio State (EUA), padece de hirsutismo (crescimento
excessivo de pelos terminais na mulher, em áreas anatômicas
características de distribuição masculina) e é adepta do sikhismo (1),
uma religião antiga e com muitos adeptos do Paquistão e da Índia. (2)
Recentemente
foi execrada e humilhada através de um site de relacionamento por ter
sido fotografada, por um colega de faculdade, trajando o tradicional
turbante utilizado pelos sikh(3) e com pelos faciais (bigode, cavanhaque
e costeletas). Sabe-se que na cultura sikh, o corpo é cultuado como “um
bem divino” e deve ser conservado intacto.
Indo contra todos os
moldes de estética infligidos pelos padrões de beleza femininos,
Balpreet não se preocupa em se “barbear”. Para ela, a transformação do
corpo seria viver para o ego e criaria separação entre o “eu” e a
divindade. (4) Kaur entende que é urgente focalizar mais nas ações do
que nas aparências físicas, pois quando perecermos ninguém vai se
lembrar do nosso corpo físico, mas só das obras dignas que realizamos.
Para ela, as práticas do bem permanecerão e não será entronizando a
formosura física que obteremos ocasião para aperfeiçoar outras virtudes
interiores e facultar propostas de transformação e desenvolvimento na
sociedade.
O fato nos induz a refletir sobre a intolerância e o
preconceito, ou seja, PRE (antes) e CONCEPTUS (resumo, concebido - de
concipere - conceber, engravidar). Assim como DISCRIMINARE (dividir,
separar, gerar uma diferença) é derivada de DISCERNERE (distinguir,
separar), formado por DIS (fora) e CERNERE (peneirar, separar). Enfim,
são opiniões formadas com base em ajuizamento próprio, com tom
depreciativo, tendencioso e discriminatório.
É de grande utilidade os
espíritas refletirem sobre esse assunto e transporem suas conclusões
para os ambientes que frequentam e a ideologia que cultivam como fonte
de realização. O grau de preconceito demonstrado por aqueles que
discriminam, perseguem e expulsam seus confrades, quando estes começam a
destoar dos seus pontos de vista, demonstram a incapacidade de
compreender e conviver com a diversidade e de aceitar o princípio
igualdade humana como lei universal.
É comum as pessoas demonstrarem
atitude maliciosa ao saber do casamento de uma bela jovem com um idoso.
Se o ancião é famoso, ou tem fortuna e poder, depressa arrazoam que o
pretexto para o casório é tão somente interesse financeiro. Esquecem que
pessoas jovens e idosas, como todos os seres humanos, têm lacunas
afetivas; procuram a ternura e anseiam por serem queridas. É imperioso
acatar as eleições alheias. Exercitar olhares compassivos que possam
desvendar o lado melhor das situações e pessoas. Urge enxergar os fatos
com otimismo, sem ajuizamentos errados ou precipitados. Invariavelmente,
os preconceitos são matrizes de infelicidade e arruínam o júbilo de
viver.
Os preconceitos, sobretudo religiosos, são estratificados em
nosso psiquismo e na conduta como peças ardilosas para discriminação de
grupos e princípios ideológicos. Mahatma Gandhi, figura contemporânea da
Era Atômica, parecia ser em sua época, e ainda hoje, uma pessoa
bizarra, saído das páginas de qualquer livro de folclore. Martim Luther
King, seguindo os passos de Gandhi, desmontou a dissimulação que coloria
nos EUA a fantasia da liberdade e dos direitos civis. A experiência de
Allan Kardec comprova que é plausível ir mais à frente das acepções,
romper preconceitos seculares e prosseguir cada vez mais no terreno da
liberdade de consciência. É preciso ir além, dissolver paradigmas,
atrever-se, como fizeram os demolidores de convencionalismos em todas as
épocas.
Qual é a nossa opinião presente a respeito do sexo,
religião, raça, velhice, nação, política e outras? Nosso juízo é do tipo
“Maria-vai-com-as-outras”, ou seja, somos naturalmente influenciáveis e
nos deixamos induzir pelo julgamento de outrem? O Soberano Mestre
demonstrou ser inteiramente impenetrável a qualquer influência alheia
quanto a seus sentimentos e sentidos de vida, revelando isso em várias
ocorrências de Sua trajetória terrena. Ao acolher no coração a
equivocada de Migdol, ao exaltar as virtudes do Samaritano, ao banhar os
pés dos apóstolos, ao frequentar a casa de Zaqueu, não deu a menor
estima aos burburinhos maledicentes das pessoas de arcabouço psicológico
pueril, pois sabia peregrinar distinguindo por si mesmo.
Somos, como
grupo social humano, um intricado mosaico de ideologias e crenças, na
forma de cultos religiosos, partidos políticos, corporações filosóficas
ou costumes de vida que avaliamos sedutores e afins com o nosso estilo
de observar o mundo. Nessa confraria buscamos respostas, lenitivo
espiritual, prestígio e todos os recursos plausíveis para resolver os
nossos conflitos internos, nossas deficiências pessoais, e finalmente a
busca da plenitude, de uma direção, da auto-realização.
O espírita, o
cristão, não deve ter preconceitos, mas sim saber distinguir o que vai
trazer ou não consequências danosas para si e para os outros. Em tudo o
que fizermos, sejamos maduros e consequentes. Isso não quer dizer que
devemos viver como importunos, reparando na forma como os outros vivem, e
colocando-nos como senhores da verdade. Sejamos alegres, úteis e
amigos. Mas sejamos responsáveis, colocando acima de tudo o interesse
coletivo, a pureza de sentimentos, que fará de todos os nossos atos
exemplos de quem encontrou o verdadeiro caminho da paz.
Referências:
(1)
O número de sikhs no mundo é estimado em cerca de 23 milhões, o que faz
do sikhismo a quinta maior religião mundial em número de aderentes.
(2)
Uma intervenção de tropas indianas ordenada por Indira Gandhi no início
dos anos 80 levou à revolta dos sikhs e ao assassinato da
primeira-ministra indiana em 1984
(3) O termo sikh significa em língua punjabi "discípulo forte e tenaz".
(4)
Os sikhs acreditam no karma, segundo o qual as ações positivas geram
frutos positivos e permitem alcançar uma vida melhor e o progresso
espiritual; a prática de ações negativas leva à infelicidade e ao
renascer em formas consideradas inferiores, como em forma de planta ou
de animal (a metempsicose é recusada pelo Espiritismo).