Caro amigo Jorge,
Há dias venho matutando com uma coisa que já está incomodando, embora não acrescente nada pelo lado moral da doutrina.
Talvez seja mais cômodo, embora difícil, deixar a ciência para os homens de ciências e aos homens de bem o progresso espiritual, como disse a Espiritualidade a Kardec.
Certo que nossa preocupação deve se limitar ao moral e ao agora, o momento do plantio e não ir buscar o passado para explicações que talvez não acrescentem nada ao lado moral da doutrina.
No entanto, como o Espiritismo é filosofia, religião e ciência, preocupa-me a abordagem que um sem número de companheiros dá à frase de Denis: “O espírito dorme no mineral, respira no vegetal, move-se no animal e pensa no homem”, movidos por um certo ar professoral quando se referem a essa possibilidade.
Será que Denis quis dizer isso mesmo? O que haveria por trás dessas palavras?
Para mim parece clara a resposta ao tema, observando o contido na questão 76 do Livro dos Espíritos:
- Que definição se pode dar dos Espíritos?
“Pode-se dizer que os Espíritos são os seres inteligentes da Criação. Eles povoam o universo, fora do mundo material”.
Nota de Kardec: A palavra “Espírito” é empregada aqui para designar a individualidade e não mais o elemento inteligente universal.
Daí em diante, excluídos os minerais, estariam incluídos os vegetais e os animais.
Entretanto, essa dúvida se dissipa e parece-me também clara a explicação que Kardec nos dá na questão 585 do LE, dizendo que “ O homem, tendo tudo que há nas plantas e nos animais domina todas as outras classes por uma inteligência especial, sem limites fixados, que lhe dá a consciência de seu futuro...”
Quero crer que, da mesma forma que o corpo material traz em si elementos presentes nos minerais, nos animais e nos vegetais, o espírito tenha a "noção" do que seja mineral, vegetal ou animal, está em sua compreensão e não que possa ter sido um deles.
Será que está havendo confusão ou tentativa de relação entre o que disseram Darwin e Denis. Para mim, matéria é matéria e espírito é espírito, ou seja, que o princípio espiritual possa abarcar os três reinos, mas o espírito que habita um corpo humano é espírito humano sem ter passado, em sua individualidade, pelos demais reinos, numa forma de metempsicose às avessas.
Na questão 610 do LE, parece-me que minha interpretação está correta quanto a não haver relação entre Darwin e Denis, como alguns pretendem.
Peço sua ajuda para me esclarecer, pois ao pensar nisto até começo a embaralhar-me e talvez nem tenha conseguido expor corretamente o que penso: Não consigo imaginar-me parte de uma montanha, uma mangueira ou uma girafa, ainda que, nos registros ao longo de minhas encarnações haja procedimentos que se enquadrem em qualquer desses reinos.
Abraço fraterno
R..................
Caro R..........
A Doutrina Espírita preceitua que existem dois elementos gerais no Universo: “matéria e Espírito e, acima de tudo Deus. Emmanuel elucida que “pela vontade divina, condensou-se a matéria cósmica no Universo sem fim. A matéria produziu a força, a força gerou o movimento, o movimento fez surgir o equilíbrio da atração e a atração se transformou em amor. Desta maneira, identificam-se todas as dimensões da vida em face da lei de unidade estabelecida pelo Criador. Considerando-se que na Terra “todos os movimentos de evolução material e espiritual se processaram, como até hoje se processam, sob o patrocínio de Jesus.
A fonte de energia para todos os núcleos da vida planetária é o Sol , isso é fato! e “todos os seres recebem a renovação constante de suas radiações através da chuva incessante dos átomos solares. Destarte, “as primitivas agregações moleculares, obedeceram ao pensamento divino dos prepostos do Cristo, quando nas manifestações iniciais da vida sobre a Terra e nos “primórdios da organização planetária, encontraram, no protoplasma o ponto de início para a sua atividade realizadora, tomando-o como base essencial de todas as células vivas do organismo terrestre.
Alguns concebem que no seres inorgânicos tudo é “cego”, passivo, fatal; jamais se verifica “evolução”; não há mais que mudanças de estados na natureza intrínseca da substância. Argumentam que os minerais não têm forma própria, ao passo que os “seres vivos” possuem forma específica. Os seres brutos apresentam composição química simples, ao passo que a “substância viva” é complexa. Os minerais não apresentam um ciclo vital (não nascem e nem morrem) - sua duração é ilimitada. Mas, acredito que nas atrações moleculares, ainda que não identifiquemos manifestações de espiritualidade, como princípio de inteligência, estou convencido de que “os fenômenos rudimentares da vida em suas demonstrações de energia potencial estão presentes em face da evolução da matéria em seus infinitos aspectos dimensionais.
Desse modo, a matéria “bruta” não é estanque e evolui. Albert Einstein, a partir da Teoria da Relatividade afirmou que matéria e energia são as duas faces de uma mesma moeda. A matéria é energia condensada e a energia uma forma de apresentação da matéria. Endossando essa tese o Espírito Emmanuel, considerando o processo radioativo identifica a “evolução” da matéria, pois “é nesse contínuo desgaste que se observam os processos de transformação das individualizações químicas, convertidas em energia, movimento, eletricidade, luz, na ascensão para novas modalidades evolutivas, em obediência às leis que regem o Universo. A rigor, as individualizações químicas possuem a sua rota para obtenção das primeiras expressões anímicas. Lembrando que na constituição das vidas no reino vegetal e animal, encontramos os elementos minerais.
Há obviamente algumas controvérsias teóricas a respeito de quando o Princípio Inteligente se individualizaria; se tal ocorreria já a partir do reino mineral, ou somente a partir do reino vegetal. Uns defendem a primeira hipótese, outros sustentam a segunda tese. Junto-me à primeira corrente, respaldado em Kardec que explana: “se se observa a série dos seres, descobre-se que eles formam uma cadeia sem solução de continuidade, desde a matéria bruta até o homem mais inteligente.
Sobre a questão da individualização, essa situação não se confunde com a criação “individual” do Princípio Inteligente, apenas diz respeito ao seu estado de particularização. O termo empregado na Codificação, significa aquilo que o Ser (princípio) agregou de experiências para que ele pudesse literalmente ser identificado , quanto a outros seres da criação , como um indivíduo. Porém, quanto à “consciência do eu” (que é um estágio avançado, mais elaborado e aperfeiçoado da individualização), somente se dá no estágio do “reino hominal”, pois que anteriormente a inteligência permanecia em estado latente, nos reinos imediatamente anteriores. À prop´´osito sobre isso, Kardec aduz que “a alma dos animais(...)conserva sua individualidade; quanto à consciência do eu, não. A vida inteligente lhe permanece em estado latente.
No universo da vida organizada (ser orgânico) sabe-se haver um princípio especial, ainda inapreensível e que ainda não é bem definido pelos estudiosos: o Princípio Vital. Presente no ser vivente, inexiste nos minerais.“É um estado especial, uma das modificações do Fluido Cósmico Universal, pela qual este se torna princípio de vida.O Princípio Vital é um só para todos os seres orgânicos, modificado segundo as espécies. É força motriz da estrutura orgânica e “ao mesmo tempo em que o agente vital estimula os órgãos, a ação deles [dos órgãos] mantém e desenvolve a atividade do agente vital, quase do mesmo modo como o atrito produz o calor. É importante considerar que, apesar de ser matéria diferenciada, distinta dos níveis, digamos, materiais, tal origem não invalida a matriz celular do fluido vital, principalmente por seu papel diferenciado e intermediário.
O princípio vital forma um terceiro elemento constituinte do universo?
Como dissemos Espírito e matéria são dois elementos constituintes do Universo. O Princípio Vital formaria um terceiro? Não! Pois trata-se de um dos elementos necessários à constituição do Universo, mas ele mesmo tem sua fonte na matéria primordial modificada. “É um elemento, como o oxigênio e o hidrogênio que, entretanto, não são elementos primitivos, embora tudo isso proceda de um mesmo princípio. Será que realmente a vitalidade é um atributo permanente do agente vital ou apenas se desenvolve pelo funcionamento dos órgãos? À rigor, esse agente sem a matéria não é a vida, “é preciso a união das duas coisas para produzir a vida. Infere-se disso que a “vitalidade está em estado latente, quando o agente vital não está unido ao organismo.
Para haver vida orgânica é preciso existir o protoplasma, componente das células, formado principalmente por proteínas. Na Terra, só pôde surgir a vida orgânica no momento em que, na atmosfera, por meio das descargas elétricas, uniram-se metano, amônia, água e hidrogênio, formando-se os primeiros aminoácidos. Estes se combinaram, formando proteínas, as quais se aglomeraram nos coacervados e destes originaram as células. Todas as células têm cromossomos e ADN, que não existem nos minerais, o fluido universal, combinado com a ação do elemento inteligente, é responsável pela coesão e as qualidades gravitacionais da matéria. Lembando aqui que a inteligência é um atributo essencial do espírito”(17) que por sua vez é o elemento inteligente do universo, individualizado, com moralidade própria. Embora reconheço que “a natureza íntima do elemento inteligente, fonte do pensamento, escape completamente às [atuais] investigações.
Há os que dedicam ao estudo da mônada, Para os quais, vertida do plano espiritual sobre o plano físico, a mônada atravessou os mais rudes crivos da adaptação e seleção, assimilando os valores múltiplos da organização, da reprodução, da memória, do instinto, da sensibilidade, da percepção e da preservação própria, penetrando, assim, pelas vias da inteligência mais completa e laboriosamente adquirida, nas faixas inaugurais da razão.
O ponto principal do pensamento de Leibniz é a teoria das mônadas. É um conceito neoplatônico, que foi retomado por Giordano Bruno e Leibniz desenvolveu. As mônadas (unidade em grego) são pontos últimos se deslocando no vazio. Leibniz chama de enteléquia e mônada a substância tomada como coisa em si, tendo em si sua determinação e finalidade. Para Leibniz, a mônada significa substância simples, ativa, indivisível, de que todos os entes são formados. Segundo o filósofo, todos os seres são constituídos por substâncias simples entre as quais reina uma harmonia preestabelecida.
O Espírito André Luiz explica melhor dizendo que a mônada é “o Princípio Inteligente em suas primeiras manifestações”, isto é, na primeira fase de evolução do ser vivo “germes sagrados dos primeiros homens. Trabalhadas, “no transcurso de milênios, pelos operários espirituais que lhes magnetizam os valores permutando-os entre si, sob a ação do calor interno e do frio exterior, as mônadas exprimem-se no mundo através da rede filamentosa do protoplasma.
Evoco en passant, na discussão dos princípios (material e espiritual) aqui expostos, o Éter termo que significa a substância que os cientistas acreditavam que existia em todo o universo, mas sem massa, volume e indetectável, pois não provocaria atrito. Os físicos do séc. XIX sabiam que a luz tinha natureza ondulatória, e imaginavam portanto que essa deveria precisar de um meio para propagar-se (daí o Éter). Para o Espírito Emmanuel o éter é quase uma abstração um fluído sagrado da vida, que se encontra em todo o cosmo; fluído essencial do Universo, que, em todas as direções, é o veículo do pensamento divino.
Não há consenso entre alguns pontos próprios como tampouco há um entendimento por parte da maioria dos espíritas sobre o fluido vital. Seria uma propriedade da matéria, um efeito que se produz quando a matéria se encontra em determinadas circunstâncias? Lembremos que os seres orgânicos têm em si uma força íntima que produz o fenômeno da vida, enquanto essa força dure. Para Kardec o fluido vital “é criado pelo metabolismo corporal. Segundo essa maneira de ver, o Princípio Vital não seria mais do que uma espécie particular de eletricidade, denominada eletricidade animal, que durante a vida se desprende pela ação dos órgãos e cuja produção cessa, quando da morte, por se extinguir tal ação. No entanto, como vimos acima, os espíritos discutem o assunto e apontam que o Princípio Vital é uma transformação da matéria primordial do Universo - o Fluido Cósmico Universal.
Em face da escala evolutiva da inteligência, Leon Denis afirma que: “na planta, a inteligência dormita; no animal, sonha; só no homem acorda, conhece-se, possui-se e torna-se consciente; à partir daí, o progresso, de alguma sorte fatal nas formas inferiores da Natureza, só se pode realizar pelo acordo da vontade humana com as leis Eternas. Por outro lado, a Doutrina Espírita explica que as diferentes espécies de animais não procedem intelectualmente umas das outras, mediante progressão. Nesse tópico nem todos pensam a mesma coisa a respeito das relações que existem entre o homem e os animais. Segundo alguns, o Espírito só alcança o período de humanidade após ter sido elaborado e individualizado nos diferentes graus dos seres inferiores da Criação; segundo outros, o Espírito do homem teria sempre pertencido à raça humana, sem passar pela experiência animal. O primeiro desses sistemas tem a vantagem de dar um objetivo ao futuro dos animais, que formariam assim os primeiros anéis da cadeia dos seres pensantes; o segundo está mais de acordo com a dignidade do homem.
“Assim, o espírito da ostra não se torna sucessivamente o do peixe, do pássaro, do quadrúpede e do quadrúmano. Cada espécie constitui, física e moralmente, um tipo absoluto, cada um de cujos indivíduos haure na fonte universal a quantidade do Princípio Inteligente que lhe seja necessário, de acordo com a perfeição de seus órgãos e com o trabalho que tenha de executar nos fenômenos da Natureza, quantidade que ele, por sua morte, restitui ao reservatório donde a tirou.
O Princípio Inteligente gastou, desde os vírus e as bactérias das primeiras horas do protoplasma na Terra “milhões de séculos, a fim de que pudesse, como ser pensante, embora em fase embrionária da razão, lançar as suas primeiras emissões de pensamento contínuo para os Espaços Cósmicos. Emanam do mesmo Princípio Inteligente a alma dos animais e do homem, com a diferença que a do homem, passou por uma elaboração que a coloca acima da que existe no animal, elaboração esta feita numa série de existências que precedem o período de Humanidade.
“Uma tese que os Espíritos rejeitam de maneira mais absoluta é a da transmigração da alma do homem para os animais e vice-versa.”(29) Entre os Espíritos há divergência quanto às origens da alma do homem e dos animais, acreditando alguns que o Espírito do homem teria pertencido sempre à raça humana, sem passar pela fieira animal. Segundo esta linha de pensamento, cada espécie constituiria, física e moralmente, um tipo absoluto, cada um haurindo da fonte universal a quantidade do Princípio Inteligente que lhe seja necessário.
Porém, identificamos alguns pontos doutrinários apontando para a tese da elaboração progressiva do Princípio Inteligente à partir do reino mineral, passando pelo reino vegetal, animal, até finalmente individualizar-se como Espírito, quando passa a encarnar somente no reino hominal, continuando sua ascensão na escala do progresso intelectual e moral, através de encarnações sucessivas, com a finalidade de atingir o máximo grau de perfeição relativa (somente Deus detém a perfeição absoluta).
Entre as espécies orgânicas dotadas de inteligência e de pensamento, há uma que é dotada de um senso moral especial que lhe dá uma incontestável superioridade sobre as outras: é a espécie humana. Aí o fluido vital funciona como um sistema energético que age como um intermediário entre o perispírito e o corpo físico durante a reencarnação, e é o que dá vitalidade à matéria.
Quando o Espírito tem de encarnar num corpo humano em vias de formação, um laço fluídico, que mais não é do que uma expansão do seu perispírito, o liga ao gérmen que o atrai por uma força irresistível, desde o momento da concepção. À medida que o gérmen se desenvolve, o laço se encurta. Sob a influência do princípio vito-material do gérmen, o perispírito, que possui certas propriedades da matéria, se une, molécula a molécula, ao corpo em formação, donde o poder dizer-se que o Espírito, por intermédio do seu perispírito, se enraíza, de certa maneira, nesse gérmen, como uma planta na terra. Quando o gérmen chega ao seu pleno desenvolvimento, completa é a união; nasce então o ser para a vida exterior. “Por um efeito contrário, a união do perispírito e da matéria carnal, que se efetuara sob a influência do Princípio Vital do gérmen, cessa, desde que esse princípio deixa de atuar, em conseqüência da desorganização do corpo. Mantida que era por uma força atuante, tal união se desfaz, logo que essa força deixa de atuar. Então, o perispírito se desprende, molécula a molécula, conforme se unira, e ao Espírito é restituída a liberdade. Assim, não é a partida do Espírito que causa a morte do corpo; esta é que determina a partida do Espírito.
Conclusão
O Princípio Espiritual estagiou por todos os reinos desde a sua criação, tanto que é um dos elementos fundamentais e constitutivos dela; porém, se individualizou após o conhecimento das leis da mesma criação, de como elas atuam, inclusive as de atração, coesão e outras que vigoram nos primários reinos, incluindo o mineral.
Em tese não há que se falar qual dos dois (Princípio Inteligente ou Princípio Material) foi criado primeiro. Filosoficamente falando, para alguns, “se o Princípio Inteligente foi criado perfectível, e, para isso, tem de atuar na Matéria, deduz-se que ele foi criado como uma individualidade para atuar (imediatamente) no primeiro reino da natureza [matéria por excelência], e, a partir dali, ganhar experiências que o tornariam identificável no futuro.
O progresso é a lei da natureza. A essa lei todos os seres da criação, animados e inanimados, foram submetidos pela bondade de Deus, que quer que tudo se engrandeça e prospere. Segundo Allan Kardec “tudo se encadeia na natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, pois ele mesmo começou pelo átomo. Admirável lei de harmonia, de que o vosso espírito limitado ainda não pode abranger o conjunto.
Constata-se assim a aceitação geral – “tanto por autores encarnados como também pelos Espíritos de escol que nos transmitem seus ensinamentos por via mediúnica - da teoria da dualidade: Elemento Espiritual/Elemento material criados simultaneamente por Deus, sendo que o Elemento Espiritual, desde suas primeiras manifestações, acumula sempre as experiências adquiridas em seu trajeto até o estado de Espírito, sem jamais retrogradar, enquanto que a matéria - criada para a manifestação do Elemento Espiritual que a dirige - pela sua própria natureza está sujeita às transformações, que incluem, nos três reinos, o nascimento, crescimento, decrepitude e morte com a conseqüente destruição (assim entendida como retorno aos elementos constitutivos), para formar novas formas manifestadas pelo Espírito em sua trajetória rumo à Perfeição.
Jorge Hessen
http://jorgehessen.net
(34) Cf. Joel Matias , artigo “Considerações a Respeito do Princípio Material e Princípio Inteligente” Publicado no Boletim GEAE Número 440 de 02 de julho de 2002