Ricardo Matos Damasceno
Senhor "XWZ"
A inconsistência do texto afigura-se patente a quem bem se enfronhou nas tais assertivas de Allan Kardec, na Revue Spirite, em Obras Póstumas e na Viagem Espírita de 1862, edições em que te louvas. Em primeiro momento, serves-te da imagem bíblica de Jesus, o Cristo, como se ela de fato pudesse refletir a história. Aí já se inicia o raquitismo tanto das premissas quanto das inferências. Aliás, a tua alusão a Allan Kardec soou-me uma parrésia, não daquelas a que tanto recorrera o brilhante Antonio Vieira, mas daquelas a que se atêm os desprovidos de argumentos sólidos.
Em outras palavras: se até - supositiciamente - Jesus, o Cristo, e Allan Kardec foram o que eu tenho sido ou o que eu tenho feito, é porque eu estou sendo obediente ao ensinamento deles. Não, não estás não. Isto de Jesus xingando por um dá-cá-aquela-palha, maldizendo os outros, mandando pessoas à putativa marafona que as expulsara do ventre, alegando as mais diversas falácias para se explicar e justificar publicamente etc não sói condizer com o Cristo do Espiritismo, não da Doutrina, mas talvez de duvidosos relatos bíblicos.
De idêntico modo, tem-se o porquê de Allan Kardec, em O Evangelho segundo o Espiritismo, haver-se limitado ao ensino moral, sem ter, a priori, abordado os milagres, as predições, os fatos comuns da vida de Jesus e as palavras usadas pela Igreja para sustentar os seus dogmas. Só mais tarde o emérito Pedagogo tangera os pontos não apreciados na obra de 1864 (L'Imitation de l'Évangile selon le Spiritisme), conquanto, na segunda edição, em que utilizado o título sem A Imitação de, ele haja dividido todo o cap. XXV e restringido a numeração dos parágrafos ao âmbito de cada um dos capítulos. Tal se verificou apenas em 6 de janeiro de 1868, na obra A Gênese.
Fico a me perguntar se, de fato, tens enfronhamento intelectual em autores como John Dominic Crossan, Charles Guignebert, John Meyer, Alvin Boyd Kuhn, Russel Norman Champlin, para aqui não me reportar apenas ao grande Hermínio Correia Miranda e ao deslembrado José Herculano Pires. Não adianta afirmar relações de amizade com ninguém para captar a questão do problema histórico do Cristo, a qual pareces de todo ignorar. Desse modo, usar relatos bíblicos, fora da proposta kardeciana de abordagem do ensino moral, tem sido uma temeridade, sobretudo quando aparentemente se desconhece o problema histórico em que se envolve a figura do Cristo. Para tanto, Allan Kardec tivera o cuidado de ler, já àquela época, a obra de Louis Jacolliot, a qual consta do Catalogue Raisonné.
Outrossim, pueril tem sido o argumento pelo qual se procura - de modo maniqueísta - distinguir pobres e ricos como se o problema central do debate fosse este. Eu não li nada disto nos artigos de Jorge Hessen. Tal argumento parece dizer-nos: "Há gente pobre que é gente salafrária, porque há pobres que receberam casas do programa governamental /e que as alienaram a terceiros", à maneira de quem intenta justificar os ricos ou a riqueza ou a espoliação ou os altos preços dos eventos porque existe gente pobre safada. De mais a mais, há um diversionismo na tua argumentação, bem própria àqueles que se valem de sofismas de generalização: onde se disse ou se defendeu que os eventos não têm compromissos financeiros e devem ser todos de portas abertas e gratuitas? De mais a mais, como os livros não dão lucro, não têm por si mesmos prestado à manutenção das casas espíritas, não são vendidos a preços menos módicos (?), há de se alentar o tino comercial para convolar os centros espíritas em autênticas aziendas?! Ademais, falece razão ao nobre âncora de programa espírita ao aludir ao emérito Codificador. Na Revue Spirite de novembro de 1858, Allan Kardec aduzira: "Há polêmica e polêmica, mas uma existe diante da qual não recuaremos jamais, que é a defesa séria dos princípios que professamos". Em outras palavras: não se tratava de qualquer polêmica, mas daquela em que o interlocutor estivesse de boa-fé e confutasse princípios espíritas. Qual o princípio espírita defendido pelo nobre “XWZ” ao - supostamente - responder a Jorge Hessen?
Outrossim, a serem admissíveis os teus argumentos acerca do comportamento de Jesus ou de Allan Kardec, por que estás tão certo de que os ladeias em vez de ladeares os fariseus? As frases transcritas estão integralmente fora de contexto e de sentido, pois a vida de Allan Kardec era faticamente difícil e as acusações não tinham lastro fático. Ademais, ninguém acoimou quem quer que seja de apropriar-se de quaisquer valores, mas de desnaturar as propostas do Espiritismo ou de misturar água e azeite. Fico a sinceramente me perguntar: qual a necessidade espírita de realizar um evento em hotel cinco estrelas? Espaço, conforto, luxo, piscina, boa comida, ar condicionado etc? Acho muito bom ir a um bom hotel, mas para que usar o contexto espírita? Para me socorrer dos melhores pacotes de viagem? Não sendo isto, posso muito bem hospedar-me em tais hotéis, mas, para tanto, não vislumbro a indispensabilidade do nome do Espiritismo. Sabes qual o problema: muita gente leva o “ZZZ” no bico, usando toda espécie de argumentos. Gostaria muito de ter visto um Encontro com Chico Xavier no Otton Palace.
Em breve, eu te mandarei a integral confutação do texto abaixo, ponto a ponto, provando a integral inconsistência histórica e referencial das tuas alusões ao Cristo e a Allan Kardec. Passa bem...