"Chegou-me, por e-mail, artigo de crítica ao médium Francisco Cândido Xavier a propósito da obra de André Luiz, que não passaria de plágio. Como meu nome é citado, aqui antecipo parte de capítulo do meu livro O Verdadeiro André Luiz, no qual refuto essa acusação, por sinal de décadas passadas." -- LUCIANO DOS ANJOS *** *** *** *** *** [Transcrito de parte do cap. 9 - Os superficianos e do item “A suspeita de plagiato do Chico”, de O Verdadeiro André Luiz]
LUCIANO DOS ANJOS
Rio, 28.8.2011
Bem, buscarei, agora, traçar um paralelo maior e mais detalhado entre os conceitos de André Luiz e os que encontramos em obras consideradas de excelência. De início, refiramos, por exemplo, um dos pontos mais controvertidos da série, contido em Libertação, e que admite a possibilidade de ser dilatado o marco da desencarnação, a chamada moratória. À primeira vista, isto parece colidir frontalmente com Kardec, que, na pergunta 853 de O Livro dos Espíritos, postula a fatalidade do momento da morte. Mas, vejamos o que o mesmo Kardec nos ensina em O Céu e o Inferno, quando publica certos esclarecimentos citados pelo espírito São Luiz: "Certamente, em dadas condições, pode um Espírito encarnado prolongar a existência corporal a fim de terminar instruções indispensáveis,ou, ao menos, por ele como tais julgadas — é uma concessão que se lhe pode fazer, como no caso vertente, além de muitos outros exemplos." "Preciso é no entanto que da possibilidade do fato não se conclua a sua generalidade, nem tampouco que dependa de cada qual prolongar por tal modo a sua existência." "Estes casos são excepcionais e não fazem regra. Tampouco é preciso não ver nesse fato uma derrogação de Deus à imutabilidade das suas leis, senão apenas uma consequência do livre arbítrio da alma que, no momento extremo, tem consciência de sua missão e quer, a despeito da morte, concluir o que não pôde até então." (pp.. 260/261 da 21ª edição da FEB, 1974). Assim, O Livro dos Espíritos fala em tese e em linhas gerais, é um trabalho de síntese; O Céu e o Inferno é mais analítico. Porém, especificamente quanto a este tema, há outras implicações profundas que desdobro em meu livro inédito Carma e Livre Arbíbrio.
E agora vamos ao cotejo que apresentei, muito antes de virem a público para proclamar que descobriram a pólvora, insinuando que Francisco Cândido Xavier havia colado da obra A Vida Além do Véu, do reverendo George Vale Owen, as narrativas de Nosso Lar. Ao que pude constatar, dentre as muitas obras que compulsei, a mais abundante em vocábulos e situações encontráveis na série Nosso Lar é exatamente essa, publicada pela primeira vez em 1920 e dividida em narrativas distribuídas por quatro Livros. Em 1921, a Federação Espírita Brasileira lançou uma tradução feita pelo Carlos Imbassahy. É grande o volume de termos correlatos usados por Vale Owen e André Luiz, bem como expressões, contextos, cenários e situações. São visivelmente semelhantes, alguns idênticos, tanto que, desde a época do aparecimento de Nosso Lar, não faltaram também os que levantaram a suspeita de plágio, fato que comentarei com detalhes no final deste capítulo e onde resumo a história do autor e da obra (A acusação de plagiato do Chico). Aqui, por ora, vou primeiramente compilar alguns registros e, logo em seguida, apresentarei extensão maior dos textos.
Eis uma relação de palavras as mais significativas que aparecem em A Vida Além do Véu:
"O Ministério do Céu", "Os Batalhões do Céu" (p. 21); "Esfera de Luz" (p. 23); "Palácio de Castrel", "governador", "Colônia de Música", "Escola de Música", "Escola de Luz" (p. 128); "Câmara de Conselho", "Chefe", "Presidente", "Príncipe" (p. 136); "porta da cidade", "muralhas da cidade", "Palácio", "Cidade", "Avenida" (p. 144); "Casa da Música" (p. 76); "salão laranja", "salão vermelho", "salão violeta" (p. 78); "raio de poder e de vitalidade", "região das trevas" (p. 121); "distrito" (p. 123); etc. Todo esse vocabulário se espalha também pelos catorze livros da série Nosso Lar, notadamente o primeiro.
E agora, sim, amplio o levantamento e copio trechos completos que, por mais extensos, permitem ao leitor visão maior do contexto. Vamos conferir:
“Sobre nosso lar. É muito brilhante e lindo, e nossos companheiros das esferas mais altas têm sempre vindo a nós para nos animarem a seguirmos em nosso caminho para frente (Livro 1, p.16). “Estamos descrevendo literalmente o que vimos – carruagens; chame-as de outra forma, se quiser. Elas eram puxadas por cavalos, e seus condutores pareciam saber exatamente o que dizer a eles, já que não eram guiados com arreios como são na terra, mas pareciam ir para onde os condutores desejavam.” “Usavam roupagem de cor laranja” (Livro 1, p.17). “As figuras dominantes eram pássaros e flores – não brancos, mas todos dourados e irradiantes” (Livro 1, p. 18). “Então conte-me mais sobre aquela sua Casa e sobre seu novo trabalho. Então, muito bem, tentarei fazê-lo o melhor que puder. Ela é lindamente acabada, por dentro e por fora. Internamente temos banheiros e uma sala de música e o aparato que nos ajuda nos registros de nossos trabalhos. É um lugar bem amplo. Chamei de casa, mas realmente é uma série de casas, cada uma destinada a um certo tipo de trabalho, progressivos como numa serie. Passamos de uma a outra conforme aprendemos tudo o que podemos de cada uma delas. Mas tudo é tão magnífico que as pessoas não entenderiam, nem acreditariam; portanto prefiro contar-lhe de coisas mais simples. Os terrenos são bem amplos, e todos têm uma espécie de relação com os prédios, uma espécie de sensibilidade recíproca. Por exemplo, as árvores são árvores verdadeiras, e crescem mais que as árvores da terra, e têm um relacionamento com os prédios, e tipos diferentes de árvores respondem mais a uma casa que outros, e ajudam no efeito e no trabalho para os quais aquela casa em particular foi construída. Assim e também com grupos de árvores nos bosques, e as flores nos canteiros dos caminhos, e os arranjos dos regatos e cachoeiras que são encontrados em diversas partes do local. Tudo isso foi pensado com imensa sabedoria, e o efeito produzido é muito belo” (Livro 1, 24). “A atmosfera tem também um efeito em nossas vestimentas, e influencia as nossas próprias personalidades por seu efeito na textura e coloração. Desta forma, se fôssemos espiritualmente do mesmo grau, nossa roupagem seria da mesma cor e textura, por causa da influencia atmosférica; de fato ela é modificada na mesma graduação em que nossas características diferem uns dos outros. Também o matiz de nossas roupas muda de acordo com a parte do terreno em que estejamos.” “A água também é muito bonita” (Livro 1, p. 25). “A água refletia as tonalidades do arco íris, e nossa roupagem também intensificou-se em suas cores. Além disso, os animais e os pássaros sobre nós correspondiam” (Livro 1, p. 42). “Apareceram formas de crianças brincando, e homens e mulheres em pé, ou andando e conversando juntos, belos, lindos e felizes; e faunos, antílopes e pássaros, correndo, voando ou deitados entre as pétalas, cujas formas ondulavam como colinas, montes e paisagens. Sobre estas ondulações, as crianças brincavam com os animais, saltitando divertida e alegremente” (Livro 1, pp.45/46). “E por eles vieram multidões de pessoas, algumas a pé, algumas a cavalo, e outras conduzindo carruagens.” “Faunos, antílopes e pássaros, correndo, voando ou deitados” (Livro 1, p. 46). “Apenas posso dizer que as cores das quais falei aqui se apresentam, em forma graduada, em nossa roupagem” (Livro 1, p. 59). “Ele nos levou longe pelos caminhos, parando aqui e ali, através da plantação de árvores e arbustos, onde pássaros cantavam e pequeninos animais peludos brincavam por toda parte” (Livro 1, pp. 63/64). “Partimos, e foi uma longa e prazerosa jornada, e também não foi sem aventuras, já que o local era amplo, com colinas, vales, florestas e rios” (Livro 1, p. 65). “Eles vão lhes mostrar mais de nosso lar e seus arredores” (Livro 1, p. 66). “Então os pássaros começaram a cantar, e vimos sua plumagem brilhante, à medida que voavam de uma a outra árvore” (Livro 1, p. 72). “Ouvi dizer que vocês já foram até a colônia da Música, e mais ainda, para outros departamentos, onde são estudados outros ramos da ciência. Esta casa onde agora estão é o Palácio de Castrel, como, sem duvida, já sabem. Ele é o governador deste amplo distrito, onde têm lugar muitas ocupações, e muitos estudos podem estar em curso” (Livro 1, p. 86). “Seria, posteriormente, absurdo para muitos, se lhes falassem que aqui nós temos verdadeiras casas sólidas, ruas, montanhas, árvores e animais e pássaros; e que os animais aqui não são apenas para ornamento, mas também têm sua utilidade; e que os cavalos, bois e outros animais são utilizados” (Livro 1, p. 92). “Através desta avenida estão passando cavalos e carruagens com seus condutores, e outros cavalos com seus cavaleiros” (Livro 1, p. 97). “Mas conforme chegava cada vez mais perto, pudemos ver que era composta de cavalos e carruagens e homens, ordenados desta forma, cavalgando através do espaço em nossa direção” (Livro 1, p. 98). “Passaram pelos caminhos do céu, cavalos e carruagens de fogo.” “Com cavaleiros irradiando sua glória até muito longe deles, à proporção que cruzavam os caminhos nos céus” (Livro1, p. 99). “Pararam, e então vimos que atrás deles estava uma carruagem e dois cavalos. Era bem parecida com as carruagens dos velhos tempos. Não ha razão pela qual não devamos usar carruagens de construção moderna; mas não é necessário, os antigos carros abertos persistiram até hoje em dia” (Livro 1, p. 114).
“Oração ao Senhor através de Seu Filho, de quem somos ministros, e em Nome de Quem viemos” (Livro 2, p. 45). “Não importa se estão vestidos com corpos materiais, ou que tenham deixado isto para trás e desencarnado; estes são da fronteira e acorrentados ao mundo, e não podem subir para as esferas de luz, mas têm suas conversas entre aqueles que se movem nas regiões de trevas sobre a superfície do planeta. Estes, então, são seguros à terra, e estão verdadeiramente dentro da circunferência terrestre” (Livro 2, p. 76). “Há algum vilarejo por aqui perto onde eu possa ter comida e abrigo enquanto penso no meu caminho futuro?” (Livro 2, p. 79). “Nós, ministros espirituais” (Livro 2, p. 88). “Então chegamos ao Templo, e o caminho não pareceu tão longo como das outras vezes, por causa da beleza de suas presenças e o entretenimento da conversa que tiveram comigo sobre a glória de suas Casas. Eles traziam uma mensagem ao responsável pelo Templo, dizendo que seu Chefe e Senhor viria a qualquer hora brevemente, juntamente com o nosso Governador, para abençoar o Templo” (Livro 2, p. 98). “Este fato foi escolhido para mim pelo meu próprio Governador” (Livro 2, p. 151).
“Estive nas regiões de trevas várias vezes, mas quando vou lá – faz muito que não vou lá, tenho outros assuntos a tratar – eu uso este sinal muito pouco, sabendo da agonia a mais que ele provoca naquelas pobres almas que já tinham muita agonia em si mesmas desde antes” (Livro 3, p. 54). “E naqueles momentos param com sua luta em continuar seu caminho para fora das trevas em direção à luz das esferas superiores” (Livro 3, pp. 62/63). “Daquela colônia fomos adiante às regiões das trevas” (Livro 3, p. 130). “Este cruel Príncipe das Trevas que os mantinha presos pelo temor do poder de sua malignidade” (Livro 3, p. 149). “Agora havíamos retornado, um pouco cansados, com nossos corações repletos do que havíamos visto naqueles longínquos reinos das trevas” (Livro 3, p. 164). “E vocês que desceram aos reinos de trevas, saibam que estou lá também” (Livro 3, (p. 167).
“Você já recebeu a descrição de uma destas missões enviadas numa jornada através dos reinos mais baixos e nas trevas mais profundas” (Livro 4, p. 18). “O governador não precisou palpites sábios de seus oficiais” (Livro 4, p. 25). “Dia chegou em que o Governador chamou o povo no meio da estrada, ainda não completamente construída.” “Mas nos degraus em cima estava o novo Governador” (Livro 4, p. 27). “Um deles foi que, enquanto nossa capacidade magnética foi aumentada em cada um de nós pela emanação de virtudes, tanto dos céus sobre nós quanto daqueles governadores planetários de quem já lhe falei” (Livro 4, p. 93). “E então todos aqueles ministros ficaram divididos em cada lado dos degraus” (Livro 4, p. 134). “Então, do vácuo entre nós e eles, seus Governadores emergiram para a visibilidade” (Livro 4, p. 144).
“Sobre nosso lar” (Livro 4, p. 16). Outra coisa que notaríamos seriam bandos de aves vindos de longa distância, e indo, com precisão perfeita, a algum lugar particular. Estes pássaros são um dos meios que usamos para enviarmos mensagens de uma colônia à outra” (Livro 4, p. 37). “Eles vão lhes mostrar mais de nosso lar e seus arredores” (Livro 4, p. 48). “Como você os viu no bosque na época de Natal” (Livro 4, p. 90). “Então vários bosques, ampliando seus limites, cresceram juntando-se, e formou-se uma floresta” (Livro 4, p. 168). “A Clareira era o seu centro, e era aqui o lugar onde seus governadores tinham suas Casas de residência” (Livro 4, p.180). “
A partir daqui, vou catalogar mais obras, de diversos outros autores, onde também iremos localizar todo o quadro de termos e situações referidos por André Luiz. A propósito de casas, paisagens, água, bosques, hospitais, asilos, alimentos, roupas etc., existindo no Além talqualmente tudo quanto existe na terra, vejamos como se referem a isso alguns respeitáveis autores do passado.
Ernesto Bozzano em A Crise da Morte, 4ª edição: "P. — A morada de que falas tinha o aspecto de uma casa? R. — Certamente. No mundo dos Espíritos há a força do pensamento, por meio do qual se podem criar todas as comodidades desejáveis..." (p. 25). ".. e me achei, não sei comor numa espécie de vasta planície... Era indescritível a beleza da paisagem. Bela também é a paisagem terrena, mas a celeste é muito mais maravilhosa..." (p. 47). ". ..os Espíritos que me assistiam me haviam colocado num certo meio, que me parecia uma sala de hospital, provida de todo o conforto", (p. 64). "A paisagem era plana e ondulada, muito semelhante, sob certos pontos de vista, às belezas do meu querido país natal..." (p. 79). "Por isso, os Espíritos me conduziram à maravilhosa moradia que eles próprios haviam criado" (p. 109). "As habitações são construídas por Espíritos que se especializaram em modelar, pela força do pensamento, essa matéria espiritual" (p. 133).
Em Depois da Morte, de Léon Denis, encontramos: "Há festas espirituais nas moradas etéreas. Radiantes de ofuscadora luz grupam-se em família os Espíritos puros" (p. 253, 4ª ed.).
No Limiar do Etéreo, de J. Artur Findlay, 2ª ed. da FEB: "Crescem árvores e desabrocham flores" (p. 135). "... disseram-me que comem e bebem exatamente como nós e têm do comer e do beber as mesmas sensações que nós" (p. 136). "P. — Comeis e saboreais o vosso alimento? R. — Comemos e bebemos, sim;" (p. 145). "Temos livros e podemos lê-los." "Das flores e dos campos aspiramos os aromas, como vós aí." "Tudo é tangível..." (p. 146). "P. — Assemelha-se à nossa a vossa vegetação. R. — De certo modo, mas é muito mais linda." "Assim também as nossas casas são produtos das nossas mentes. Pensamos e construímos" (p. 148).
De A Nova Revelação, de Artur Conan Doyle, 2ª ed. da FEB: "Os seres vivem vestidos, como era de esperar, porquanto nenhuma razão há para que renunciem à decência sob as novas formas que tomam" (p. 79). "Vivem em comunidades, como fora de supor, desde que entre os que se assemelham há atração" (p. 80). ".. .os espíritos, ou dispõem de excelente biblioteca a que se reportam, ou, então, possuem uma memória que, por assim dizer, os torna oniscientes" (p. 81). "... que (os Espíritos) usam vestuários e se alimentam" (p. 26). "Os Espíritos viviam, em famílias e comunidades" (p. 29).
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Sobre o corpo espiritual, a respeito do qual André Luiz ditou uma obra inteira, o magnífico Evolução em Dois Mundos, encontramos nele muita coisa realmente nova; outros aspectos, entretanto, já eram grandemente abordados por autores do passado, sem precisarmos referir, é claro, as numerosas e conhecidíssimas definições de épocas bem mais remotas. Vejamos.
Em Doutrina e Prática do Espiritismo, o talentoso Leopoldo Cirne exprimia, em 1920: "O corpo astral, em que reside o desenho ideal de todo ser que nasce, é formado de substância muito menos densa que a do corpo físico, mesmo suficientemente etérea para se caracterizar pela invisibilidade, mas composta de átomos, reunidos em moléculas, dotadas de um movimento vibratório normalmente muito mais rápido que o da matéria constitutiva do corpo físico, no estado de encarnação, porém adaptado até certo ponto à sua mesma tonalidade." "O corpo espiritual (...) pode ser ainda assim conjecturado como um composto de átomos..." (pp. 370/371).
No Limiar do Etéreo, edição citada: "Tenho um corpo que é uma reprodução do que tive na Terra: as mesmas mãos, pernas e pés, que se movem como o fazem os vossos." "O corpo etéreo é aqui tão substancial para nós, como o era o corpo físico quando vivíamos na Terra" (p. 145).
De Gabriel Delanne, A Reencarnação, ed. de 1952, da FEB: "É possível, pois, imaginar que todos os órgãos terrestres estão representados no perispírito" (p. 146).
De Rumo às Estrelas, ed. citada: "Agora estou perfeitamente em regra, com uma boa cabeleira" (p. 56).
A Nova Revelação: "Mas se lá no Além não tivéssemos corpo semelhante ao que aqui temos, se nada conservássemos do caráter que aqui nos individualiza, como desejariam aqueles críticos, então nos extinguíamos" (p. 86). ".. .nessa fase posterior da existência, os seres têm corpos que, conquanto imperceptíveis para os nossos sentidos, são para eles tão sólidos como os nossos para nós" (p. 116).
A Crise da Morte, de Bozzano: "Entre nós também existe um desenvolvimento do "corpo etéreo"... "Um bebê cresce até chegar à maturidade. Contrariamente, um velho alcança a seu turno a idade viril, rejuvenescendo" (p. 58).
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André Luiz nos fala também de cães, gatos, aves, animais em geral, vivendo normalmente no Além. A informação seria novidade se dela já não tivéssemos tido detalhes minuciosos, muitos anos antes.
Do livro No Limiar do Etéreo: "Os animais, do mesmo modo que os seres humanos, sobrevivem à morte" (p. 137)."P. — Os cães, gatos e outros animais sobrevivem à morte? R. — Sim, senhor, digo-o com ênfase: sobrevivem" (pp. 147/148).
De Rumo às Estrelas: "Existem aqui vários animais." "Gostei de encontrar aqui cães, e tenho dois gatos que me seguem" (p. 59).
Em A Reencarnação, Gabriel Delanne narra, nas páginas 107 a 120, diversos casos de materialização de animais. Tanto Delanne como Conan Doyle, Richet, Geley, Aksakof, etc., muitos outros autores nos falam das memoráveis sessões com os médiuns Frank Kluski e Jean Guzik, em Varsóvia, no correr do ano de 1922, durante as quais se conseguiram materializações duma grande ave de rapina, dum ser intermediário entre o macaco e o homem, de cães, etc. Em A Grande Esperança, Charles Richet narra o seguinte: "Não há somente materialização de homens. Também há materialização de animais. De minha parte, com Guzik, consegui uma que foi realmente espantosa. Em Varsóvia, numa sala fechada a chave, apareceram, iluminadas por um vago luar, duas formas de indivíduos fantasmagóricos, dos quais não se viam a face. Conversavam entre eles em polonês. Um disse: por que trouxeste o teu cão? Nesse momento ouvimos na sala o trote de um cão. Senti o cão aproximar-se de mim e morder gentilmente o meu tornozelo, aliás, sem me magoar. Foi tão nítido que pude distinguir ser um pequeno cão do qual eu senti os pequenos dentes pontiagudos. Depois o cãozinho aproximou-se de Geley e mordeu-o com mais força de sorte que ele disse: basta, basta. Ao que censurei energicamente. Ele deveria dizer: mais, mais" (p. 202, edição da BEP, 194).
Quanto aos parasitas-hospedeiros, que tanta surpresa causaram aos leitores de André Luiz, são eles também claramente citados por Artur Conan Doyle em História do Espiritismo, na página 475, nos seguintes termos: "Tais Espíritos pareceriam uma ameaça constante à humanidade porque se a aura protetora do indivíduo fosse de certo modo defeituosa, aqueles poderiam tornar-se parasitas, estabelecendo-se nela e influenciando as ações de seu hospedeiro. Ê possível que a ciência do futuro possa verificar que muitos casos de inexplicável mania, de insensata violência, de súbita inclinação para hábitos viciosos tenham essa causa..."
Na sua coleção, André Luiz repete com freqüência os termos "ministério", "governador", "muro da cidade", "câmara", "guarda", etc. Vejamos como também encontrá-los noutras obras:
Em História do Espiritismo, há uma referência a "Círculos de punição", na p. 475, e, em A Crise da Morte, Bozzano nos fala sobre "esferas de provação", na p. 138.
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O curioso aparelho a que André Luiz chama "psicoscópio" (Nos Domínios da Mediunidade), utilizado pelos espíritos para medir a emanação psíquica dos encarnados, não chega a ser novidade sequer no nome. Já em 1894, no seu livro Psiquismo Experimental (p. 76 da 2ª edição da FEB, 1953), Alfred Erny aludia à sua possível existência, segundo estas palavras:
"Quem sabe se no século XX não se descobrirá o psicoscópio, isto é, um instrumento bastante poderoso e sensível para nos permitir ver o fluido magnético, e principalmente a matéria sutil que forma o corpo psíquico?"
Não há dúvida de que Alfred Erny recebera intuição absolutamente certa.
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Há um mundo de analogias que eu gostaria de transcrever; no entanto, isso seria absolutamente impossível. Nas obras que tenho mencionado e em muitas outras que se encontram espalhadas pelas bibliotecas, os leitores encontrarão inúmeras citas semelhantes às que André Luiz registra: a chamada "fixação mental", as "almas gêmeas", as "formas-pensamentos", os "Espíritos co-criadores", as múltiplas "esferas", os recursos "volitivos", etc. Será fácil localizar, em tais livros, narrativas sobre "processos" de reencarnação, catalogação de casos especiais, providências tomadas por guardas ou vigilantes, trabalhos em laboratórios, assembleias, compartimentos artísticos e até processamento de banhos de higiene, tais os que tomamos aqui na Terra. Também a grande médium Madame d'Espérance narra, no seu livro No País das Sombras, editado em fins do século passado, fatos bastante curiosos, no correr dos capítulos XXIV, XXV e XXVI, valendo a pena lê-los.
Cuidei, pois, haver demonstrado sobejamente que André Luiz, afinal, não manejou linguagem tão nova. Muitas das suas descrições, inclusive, nos fazem lembrar ainda as cenas da Divina Comédia, obra imortal, sem dúvida alguma "soprada" do Alto para Dante. (O leitor não deve deixar de ler o extraordinário trabalho de Arnaldo S. Thiago intitulado Dante Alighíeri — o Último Iniciado, Florianópolis, 1970).
Restaria apenas clarear certa questão. Desde que o plano invisível assim se configura, por que os médiuns, antes de André Luiz, não o descreviam durante as chamadas sessões de desobsessão, nem sequer lhe fazendo qualquer alusão? Por que não falaram nunca nos ministérios, no aeróbus, nos bônus-horas, hospitais, casas, etc.? Tentemos responder à questão que, em última análise, não é tão complicada assim e nada inextricável. Consideremos, preliminarmente, que muitos dos espíritos trazidos ou que vêm a tais sessões não estão absolutamente em condições de descrever coisa alguma, das quais, não raro, nem sequer chegam a se aperceber. Aportando uma pessoa a uma cidade nova e no mesmo instante sendo vítima de um desastre, que poderia ela dizer aos que, no nosocômio, lhe perguntassem sobre o que vira ou sentira a seu redor, antes do acidente? Nada, tamanhas a sua perturbação, a sua dor, o seu desequilíbrio psíquico. Ainda hoje, e no futuro adentro, os espíritos manifestados nessas mesmas sessões nada disseram e nada dirão sobre tanto, em que pese à publicação das obras de André Luiz. Por outro lado, admitamos ainda que, se o progresso caminha na direção do astral para a terra e em épocas determinadas, também de esferas muito mais altas caminhará na direção do plano imediatamente acima de nós. Desta forma, tanto quanto estudamos para aperfeiçoar nossa técnica, nossa ciência, nosso comportamento, também nos demais planos o processo é igual, é paulatino. Isto significa a inexistência, no passado longínquo, das organizações, das colônias, dos aparelhos que hoje existem no Além. Como narrado em Nosso Lar, a colônia foi fundada no século XVI, por portugueses desencarnados no Brasil e se situa numa relação espacial (relativa) na altura da cidade do Rio de Janeiro. A colônia não surgiu num passe de mágica. Tudo nela foi plasmado pelos espíritos com o tempo; tal qual aconteceu e acontece aqui na terra. Mas, após a criação da colônia e antes que os livros como os que citei acima fossem conhecidos, muitos espíritos se terão manifestado nas sessões espíritas e certamente falaram do aeróbus, das suas casas, das árvores, etc. No entanto, como nossos conhecimentos a respeito ainda eram precários, atribuíamos logicamente essas referências à perturbação espiritual da entidade, julgando-a falar de coisas da própria terra, quando, de fato, falava de coisas do espaço. Tudo sem prejuízo do entendimento de que outras colônias já havia no contingenciamento direto com o planeta Terra.
Registremos, por fim, a circunstância de que os vocábulos usados por André Luiz são puramente comparativos. A vida e a linguagem reais dos espíritos é o pensamento, todos sabemos. Este, todavia, nem sempre pode ser reduzido a proporções linguísticas. Se André Luiz nos fala de "ministérios" é evidente que busca uma analogia com o nosso sistema de governo. Há países, afinal, onde não há ministérios e, ditadas essas mesmas obras para médiuns ali nascidos, certamente os nomes de identificação e de referência seriam outros.
Bem, façamos agora um rápido exercício de raciocínio. No caso específico dessa obra, toda essa linguagem luisiana tem de ser passada pelo crivo da filosofia e da física. É tudo fantasia? É tudo verdade? É, sim, tudo muito verdadeiro, mas de uma verdade ajustada aos nossos referenciais terrenos e evolutivos. Primeiramente, há que considerar as naturais barreiras na comunicação mediúnica. A doutrina espírita pletorou o tratamento delas e Francisco Cândido Xavier refere-as em carta de 18 de junho de 1954 para o presidente da Federação Espírita Brasileira, Antônio Wantuil de Freitas. Comentando especificamente outra carta do Chico sobre alterações introduzidas na edição do cinquentenário de lançamento do Parnaso de Além-Túmulo, Suely Caldas Schubert explica, na página 326 do seu precioso livro Testemunhos de Chico Xavier:
“Todo esse trabalho de revisão e de anos de acerto entre Chico e Wantuil e entre o médium e os autores espirituais; as dificuldades superadas até se chegar ao acordo, tudo isso pode suscitar em algumas pessoas indagações quanto ao processo psicográfico. Por que, afinal de contas, a mensagem não consegue ser filtrada pronta e irretocável? Serão assim tão difíceis os meios de comunicação entre desencarnados e encarnados?
“Somente aqueles que têm oportunidade de estudar mais profundamente os mecanismos de uma comunicação mediúnica podem avaliar as dificuldades e barreiras a serem transpostas. André Luiz explicaria, mais tarde, as nuanças do processo.”
Também fui testemunha de caso bastante singular, quando da preparação da obra Evolução em Dois Mundos. Durante a revisão, encontrou-se um trecho em que determinada palavra, em nosso entender, não expressava com muita clareza o que André Luiz estaria querendo dizer. Depois de bastante exame, o Wantuil pediu ao Chico que consultasse André Luiz sobre a conveniência de substituir a palavra por outra, dentre umas dez que nos estavam ocorrendo. E, mesmo assim, não para aclarar de vez e completamente o trecho, mas pelo menos para melhorar o entendimento. O médium consultou André Luiz e mandou a resposta: “Conservem a primitiva palavra que ainda é a melhor que vocês possuem.”
Em algumas ocasiões, certas questões foram arguídas após a leitura dos originais, tarefa que o Wantuil incumbia, conforme recomendação de Allan Kardec, a alguns estudiosos mais chegados e mais especializados em cada tema. Elas eram levadas ao Chico (depois ao Waldo também), ao Divaldo, à Yvonne Pereira, para que fossem mais bem aclaradas por André Luiz, Emmanuel, Joanna de Ângelis, Bezerra de Menezes ou outro qualquer espírito ou médium. Uma delas foi, por exemplo, o congelamento das mãos dos médiuns quando estão aplicando passes. O Chico responde, em carta de 12 de junho de 1948, falando de sua própria experiência pessoal e mostrando ser fenômeno normal.
Outro ponto demandou várias conversas epistolares, relativamente à frase “perder o perispírito”, constante da obra Libertação, cap. VI, questão que foi respondida na carta de 9/10 de março de 1949. O Wantuil não ficou satisfeito e o assunto é retomado na carta de 18 de março de 1949, quando o Chico, intermediando o pensamento dos espíritos, reafirma que o termo exato, naquele ponto, é mesmo “perder”. Mas foi colocada uma nota de rodapé, em termos mais gerais, acenando com estudos que escolas cristãs fariam no futuro. Afinal, pelo que se sabia e ainda se sabe (até surgir ensinamento contrário), ninguém “perde” o perispírito que, em parte ou totalmente (ápice da evolução) pode ser absorvido pelo corpo mental, nunca “perdido”. Aliás, é naquela mesma carta que ficou acertado o título definitivo para o sétimo livro da série: Libertação.
E com isso ficamos diante da seguinte comprovação: há coisas que ainda não podem ser intrinsecamente passadas para os terrenos porque sequer temos linguagem disponível.
Agora, um intervalo para pequena (ou grande?) questão filosófica. Lembro esse ponto porque tive a satisfação de ouvir do Chico a aprovação plena e total do que me ocorrera esclarecer. Vejamos. Nenhuma revelação pode estar além da capacidade máxima do nosso raciocínio (até mesmo do desencarnado), caso em que não atenderia ao seu objetivo providencial. E também não poderá estar aquém dessa capacidade, pois assim seria anódina, sem nada a acrescentar. Ela desce das infinitas dimensões até um nível razoável acima do que já é conhecido e concebível, na medida precisa em que a criatura, empregando bom esforço racional, consiga apreendê-la. Ela desce, sim, para ajudar, mas o homem também tem necessidade, mínima que seja, de ascender para que a captação aconteça na medida exata possível e, portanto, eficaz.
Excetuem-se os casos raríssimos de revelação profética, quando o Alto, por motivos vários, quer deixar emblematizados, de propósito, os acontecimentos, como são, por exemplo, os textos do Apocalipse de João e das Centúrias de Nostradamus. Estas são profecias que só são decifradas depois que os eventos acontecem. E valem não como um tipo de premonição (mesmo porque não poderiam ser evitadas), mas apenas como sinal do Mais Alto de que o fenômeno da profecia existe e tanto quanto existe um universo espiritual de onde as verdades emanam.
A verdade transcendental será, necessariamente, apresentada com modelos que encontrem referenciais dentro da mente humana. É absolutamente impossível receber verdades para as quais o homem sequer gerou léxico nominativo. Como falar a um mundo de seres desprovidos de visão sobre o pôr do sol, na sua total veracidade cromática, se ninguém sabe o que é a cor? Os espíritos reveladores, que ditaram O Livro dos Espíritos, nos deixaram o problema muito bem ensinado na questão nº 82:
“Como se pode definir uma coisa, quando faltam termos de comparação e com uma linguagem deficiente? Pode um cego de nascença definir a luz?”
Aqui cabe a fantástica imagem ilustrativa da Caverna de Platão. Nas exceções acima citadas de João e Nostradamus, será inevitável que se busquem referenciais cujas conclusões estarão muitíssimo longe da verdade intrínseca. Quando a velha profecia descreve cenas de guerra não poderia falar de tanques, bombas, aviões, anfíbios, que nada disso existia há séculos atrás. Por isso, registrou caranguejos saindo do mar, caminhando sobre a areia e cuspindo fogo; aves gigantescas de ferro despejando ovos de fogo; etc. Eram os referenciais disponíveis na cerebração humana. Não haveria como fugir deles.
Em exemplo mais direto, repito aqui o que, desde a década de 60, publiquei no Reformador e, depois, no livro Deus é o Absurdo, de 1978, pp. 80 a 93, elaborando minucioso estudo sobre a obra reveladora de André Luiz. Ali, desenvolvi, de modo inédito, a tese de que a exposição do autor psicografado por Chico Xavier foi sempre ditada com adaptações profundas porque não havia e ainda não há referenciais aqui na terra. Repito. Tudo que revelou é a pura verdade, mas tudo está ajustado aos limites dos nossos conceitos e concepções. Sem referenciais não é possível conhecer absolutamente nada, salvo pelos caminhos da intuição, mas cuja materialização da coisa conhecida se torna da mesma forma infactível, dado o limite da nossa linguagem. Seria o mesmo, modus in rebus, que apreender o numeno kantiano, depois do que, eventualmente conseguido, não seria mais possível tradução para a linguagem da vida de fenômenos, tornando-se impossível a definição da coisa-em-si apreendida. A questão, pois, não é apenas de capacidade de apreensão, mas léxica também.
Nesse entendimento, a revelação cumprirá seu papel de elemento coadjutor evolutivo e sempre em caráter definitivo, verdadeiro, fixando-se e permanecendo por toda a eternidade, ensejando aprendizagem, estudos, reflexões, amadurecimento, e também interpretações, além de divergências e embates dialéticos. Tudo isso é positivo e muito bom.
Vejamos outra angulação, pelo lado da física. Em termos de dimensões matemáticas, sabemos que o ponto é a dimensão zero; a linha é a 1ª dimensão; a superfície (extensão da linha) é a 2ª dimensão; e, finalmente, o volume é a terceira dimensão, aquela do universo em que vivemos, do nosso mundo, dos nossos corpos encarnados (e até desencarnados). Somos, pois, seres da terceira dimensão. Essa colocação matemática pode ser apresentada graficamente nas chamadas coordenadas cartesianas em que, se quisermos avançar nessa linha de raciocínio, poderemos puxar uma quarta coordenada e localizar um ponto qualquer no espaço, mas inteiramente fora da nossa capacidade de materializar esse ponto, para nós inconcebível.
Imaginemos, agora, um mundo qualquer (absolutamente possível fora do nosso universo e de acordo com as infinitas possibilidades do pensamento criador de Deus) em que os seres existam apenas na segunda dimensão. Seriam os seres superficianos. Nessa altura, qualquer de nós, que somos seres da terceira dimensão, com volume próprio, teria total condição de tracejar algo na superfície daquele orbe. Como se o fizéssemos numa foto com algumas imagens de pessoas. Ora, tão logo o fizéssemos, o traçado apareceria naquele mundo e poderia ser visto pelos seus habitantes. Mas, se o apagássemos, e o riscássemos noutro local da foto, as pessoas ali retratadas ficariam completamente aturdidas. Como o traço pôde, de repente, passar de um local para outro sem deslizar pela superfície da fotografia? Considerariam pura mágica, puro milagre, já que não terá jamais a menor possibilidade de entender que o autor do fenômeno é um ser da terceira dimensão, que ele não vê, não conhece, nem concebe. O ser da terceira dimensão pode interferir no mundo da segunda dimensão, da superfície; mas o da segunda sequer imagina o que seja o mundo da terceira dimensão, em que acontece o volume (a palavra volume inexiste entre os superficianos). Se quisermos, pois, transmitir-lhes algumas verdades, não poderemos falar ou escrever sobre conceitos de volume. Teríamos de adaptar nossa linguagem aos limites de comunicação e entendimento da linguagem dos superficianos. Sem mentir. Sem enganar. Apenas apropriando-nos dos recursos que estarão disponíveis, em termos de referenciais. Eis o que os espíritos superiores têm de fazer, e fazem. Eis o que sempre foi feito por André Luiz.
À luz desses entendimentos, vale distinguir, a título de mais outro exemplo, o verdadeiro sentido do bônus-hora que, de todo o vocabulário de André Luiz, parece ser a palavra mais sujeita a equívocos de apreensão e interpretação. Há que partir da preliminar de que não se trata, realmente, de nenhuma moeda real, material, monetária, ainda que fluídica. André Luiz, logo no início do cap. 22, previne: “Não é propriamente moeda, mas ficha de serviço individual, funcionando como valor aquisitivo.” Não obstante, o importante e profundamente significativo é a frase colocada mais adiante: “o bônus-hora, em nossa organização, modifica-se em valor substancial, segundo a natureza dos nossos serviços.” Vejam que esse detalhe atributivo (substancial) deixa de ser detalhe para indicar conotação fundamental. Condiz exatamente com tudo o que expus até aqui. Quando se alude a algo substancial, estamos no campo da filosofia, reduzindo a existência de qualquer matéria à ideia aristotélica de forma e substância. Ora, a forma de qualquer objeto não é difícil de conceber. Porém, quando se fala de substância, tudo se complica. É impossível saber de fato a natureza de um bônus com valor substancial. E se alguém, muito evoluído e muito inspirado, souber o que seja, jamais conseguirá passar para outras pessoas valendo-se da linguagem formal. Que é um valor abstrato de ordem moral, não há dúvida; que é uma recompensa ao amor e ao trabalho também nenhuma dúvida existe; mas como se configura não temos como conceber. Salvo os espíritos mais atrasados, mais materializados, que tudo concebem e materializam no formalismo das ilusões.
E assim é tudo o mais – ou quase tudo – da Série Nosso Lar e de outras revelações parciais que nos vão sendo apresentadas pelos espíritos superiores.
Voltei mais recentemente a abordar essa defasagem de linguagem e entendimento entre o mundo nosso e o dos desencarnados em artigo que me foi pedido para o nº de aniversário da revista Cultura Espírita, a que chamei “O Livro dos Espíritos – uma verdade inconcussa”, edição de abril de 2010, pp. 12 a 14.
Também uma palavra sobre o estilo que marca toda a série, menos em Evolução em Dois Mundos e Mecanismos da Mediunidade. Não devemos esperar que os diálogos e as partes colocadas na boca dos instrutores, dos assistentes, e de outros expressassem o tom que realmente empregaram. Ora, normalmente ninguém falaria na linguagem que marca toda a série. É uma linguagem nitidamente literária. Mas há que se entender e aceitar esse critério. Não estamos diante de fatos que exijam o rigor da transcrição cartorial. Os textos de André Luiz valem pelos ensinamentos transmitidos e, seguramente, sem se afastar da verdade. Porém, são textos embelezados pelo autor para torná-los mais agradáveis, mais limpos, mais atraentes, mais cultos. Isso é natural e conveniente. A redação das obras não poderia pecar pela pobreza de estilo e pelo relaxamento da forma. Além de autêntica, tinha de ser apresentada ao mesmo tempo numa linguagem de cunho literário.
Encerremos este capítulo transcrevendo o seguinte período do prefácio feito para o livro Os Mensageiros (pp. 7/8 da 9ª edição da FEB, 1975), o segundo da série de André Luiz e onde, desde então, Emmanuel procurou resumir, numa excelente comparação, tudo o que apresentei em meu trabalho da década de 60 e que aqui relembrei. A imagem é de clareza notável e define a adaptação que qualquer revelação exige quando desce dos planos espirituais.
Se um chimpanzé, guindado a um palácio, encontrasse recursos para escrever aos seus irmãos de fase evolucionária, quase não encontraria diferenças fundamentais para relacionar, ante o senso dos semelhantes. Daria notícias de uma vida animal aperfeiçoada e talvez a única zona inacessível às suas possibilidades de definição estivesse justamente na auréola da razão que envolve o espírito humano. Quanto às formas de vida, a mudança não seria profundamente sensível. Os pelos rústicos encontram sucessão nas casimiras e sedas modernas. A Natureza que cerca o ninho agreste é a mesma que fornece estabilidade à moradia do homem. A furna (nas primeiras edições, por evidente equívoco, saiu fauna) ter-se-ia transformado na edificação de pedra. O prado verde liga-se ao jardim civilizado. A continuação da espécie apresenta fenômenos quase idênticos. A lei da herança continua com ligeiras modificações. A nutrição demonstra os mesmos trâmites. A união da família consanguínea revela os mesmos traços fortes. O chimpanzé, desse modo, somente encontraria dificuldade para enumerar os problemas do trabalho, da responsabilidade, da memória enobrecida, do sentimento purificado, da edificação espiritual, enfim, relativa à conquista da razão.
Posteriormente, o próprio André Luiz dita a mensagem “Esclarecendo”, inserida por Arnaldo Rocha na coletânea de 1957, Vozes do Grande Além, psicografia de Chico Xavier, cap. 20, da qual retiro este trecho final:
Todos alcançamos as estações do berço e do túmulo, condicionando nossas percepções do mundo externo aos valores mentais que já estabelecemos para nós mesmos, porque todos nos ajustamos, bilhões de encarnados e desencarnados, a diferentes faixas vibratórias de matéria, guardando, embora, o Planeta como nosso centro evolutivo, no trabalho comum.
Desse modo, a mais singela conquista interior corresponde para nossa alma a horizontes novos, tanto mais amplos e mais belos, quanto mais bela e mais ampla se faça a nossa visão espiritual.
Construamos, pois, o nosso paraíso por dentro.
Lembremo-nos que os grandes culpados que edificaram o inferno, em que se debatem, respiram o ambiente da Terra – da Terra que é um santuário do Senhor, evoluindo em pleno Céu.
Nosso ligeiro apontamento em torno do assunto destina-se, desse modo, igualmente a reconhecermos, mais uma vez, o acerto e a propriedade da palavra de Nosso Divino Mestre, quando nos afirmou , convincente: - “O reino de Deus está dentro de nós.”
Além da fundamental questão linguística e léxica, há outros aspectos menos complexos que também merecem análise. Vejamos. André Luiz nem sempre segue em sua obra uma cronologia exata dos fatos, fugindo a isso para ressaltar o vigor da redação e valorizar a lição pretendida.
Em Obreiros da Vida Eterna, por exemplo, ele narra que fazia parte de uma expedição para acompanhar processos de desencarnações, dando a entender que elas ocorreram próximas umas das outras e numa sequência cronológica em que Dimas de Sousa, ótimo médium de cura de Lavras, MG, desencarna antes de Adelaide Augusta Câmara, mais conhecida por Aura Celeste, médium íntegra, nascida em Natal, RN. Entretanto, a desencarnação do médium Dimas se deu em 18 de junho de 1945; e a da médium Adelaide Câmara aconteceu oito meses antes, em 23 de outubro de 1944. André Luiz juntou os cinco processos numa só missão e deslocou o da Adelaide para último.
Assim, houve, de fato, uma arrumação das desencarnações assistidas. Não apenas foram descritas dentro de um mesmo trabalho de socorro, mas sem seguir a cronologia verdadeira. André Luiz deslocou o caso da Adelaide Câmara para exemplo finalpor se tratar de figura muito mais conhecida e de vida muito mais emocionante. Não se trata de aquilatar valores morais de um e de outro, mas apenas de volume e natureza do trabalho. Ora, todo médium honesto e sério é esforçado, é merecedor de respeito e gratidão, mas no momento de serem mostrados como exemplo é claro que, sem erro nem discriminação, sempre falaremos com destaque, na contemporaneidade, de Franscisco Cândido Xavier, de Divaldo Pereira Franco e de Yvonne do Amaral Pereira. Leva-se em conta toda a vida deles, o caráter de sua missão, o papel que desempenharam no trabalho de diviulgação do cristianismo e do espiritismo.
Isto posto, considere-se que a ideia de André Luiz foi exatamente essa: reunir cinco casos que mereceram ajuda assistencial numa mesma jornada e sem preocupação com a sequência real (óbvio que naquele mesmo período houve milhares de outros casos, muitos deles acompanhados por outras equipes de socorro). O caso da Adelaide Câmara foi deslocado para o final para que os exemplos selecionados fechassem com a história dela, a mais linda de todas.
Isso nada tem de condenável. Primeiro, porque não alterou em nada os ensinamentos que André Luiz quis transmitir; e, segundo, porque não se afasta muito do que os evangelistas às vezes fizeram quando deslocaram da ordem natural um ou outro momento da narrativa dos passos de Jesus.
Algumas vezes, com concordância dos espíritos, foram feitos cortes ditados pela melhor prudência. Por ocasião do preparo de No Mundo Maior, cerca de trinta por cento do capítulo referente a sexo foram cortados, dado que era ainda muito renitente o preconceito em quase toda a sociedade conservadora da época. Somente bem mais tarde puderam aqueles assuntos ser abordados com mais naturalidade em outros livros. Esse fato foi relatado pelo Newton Boechat, na Folha Espírita de janeiro de 1990, ao narrar seu encontro, em 1947, com Francisco Cândido Xavier. Posteriormente, Manoel Philomeno de Miranda inseriu-o no Posfácio do livro Sexo e Obsessão, psicografado pelo Divaldo Pereira Franco. Devo registrar que esse fato é absolutamente verdadeiro, que também o ouvi do Newton Boechat e eu o repeti em meu livro A Anti-História das Mensagens Co-piadas.
Houve, em toda a série, outros mais que o público em geral ignora e que mostram como é trabalhoso lançar qualquer obra que se tenha na conta de séria e merecedora de credibilidade. Não importa quem seja o médium. Essa foi a recomendação de Allan Kardec em O Livro dos Médiuns, cap. XIX, nº 224, e, em análise mais completa, na Revue Spirite, novembro de 1859, páginas 281 a 284, sob o título “Doit-on publier tout que disent les Esprits?” E, ainda assim, sempre passa algum ponto que seria preferível não ter passado. É o caso do texto de André Luiz, no cap. 20, de Nosso Lar, sobre o papel da mulher, que ainda hoje surpreende muitos leitores, particularmente do sexo feminino. E com razão. No tópico 18 do cap. 6 – As Comprovações, narro aqui minha conversa com a Odete van Erven, viúva do Faustino Esposel, sobre as motivações daquele texto psicografado.
Haverá quem indague por que os espíritos não alertam a tempo para evitar contratempos posteriores. Ora, nem sempre é assim que os procedimentos se efetivam. Há limites. Se tal não fora, os espíritos também não teriam deixado passar várias colocações superadíssimas na obra de Allan Kardec, A Gênese. Dirão que esta não é uma obra mediúnica. Mais ou menos. Não obstante, a mais linda mensagem mediúnica, recebida na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, foi inserida por Allan Kardec, com ressalvas importantes, no cap. XXXI, nº IX, de O Livro dos Médiuns, aparecido em 1861. Posteriormente, em 1864, Kardec fez alguns retoques nela e a inseriu novamente, com destaque, no cap. VI de O Evangelho segundo o Espiritismo (Instruções dos Espíritos, “O Advento do Espírito de Verdade”), inclusive mudando o nome do autor, de Jesus para O Espírito da Verdade. Tudo muito normal, muito natural. Os espíritos sempre contam com os encarnados para aprimorar as comunicações, fenômeno mediúnico cujo mecanismo – já vimos isso aqui neste capítulo sobre os superficianos – é altamente complexo e muitas vezes difícil de explicar. Sem descartar a hipótese de que houve ajuda espiritual quando Kardec resolveu voltar atrás, modifiando o que convinha.
Outros pontos algumas vezes suscitaram dúvidas e mesmo situações de intranquilidade. Exemplo foi o livro Desobsessão, que correu o risco de não ser lançado. Apresentava várias colocações que causaram grande estranheza e tiveram de ser levadas ao espírito André Luiz, num momento em que Uberaba efervescia de problemas. Aliás, depreende-se, em pequena parte, o clima gerado em torno daquela obra lendo-se as cartas de Francisco Cândido Xavier enviadas ao presidente da FEB, em 27.5.63 e 4.8.64 e aludidas nas páginas 403 e 406 a 411 do livro Testemunhos de Chico Xavier, elaborado pela Suely Caldas Schubert. Fui testemunha desses fatos, pelo que o Wantuil de Freitas me colocava a par. Narro algo mais em meu livro A Anti-História das Mensagens Co-piadas, caps. “A década de 60” e “Histórico”.
A suspeita de plagiato do Chico
Como já referi, não faltaram os que, tendo lido as narrações de André Luiz, logo levantaram a hipótese de plágio, acusando o médium de responsável pela vergonhosa atitude. Mais recentemente, li artigo de um frustrado adepto do espirirismo mostrando com estardalhaço que tudo o que está na Série Nosso Lar já havia sido apresentado por Vale Owen, em seu livro A Vida Além do Véu. E selecionou os vários trechos plagiados pelo Chico, parte deles como os que indiquei, de maneira muito mais completa, aqui no início deste capítulo. Pois é. Nosso ex-espírita descobriu a pólvora, agora nestes tempos em que estão vicejando os que, à guisa de resguardar a verdade, vivem levantando dúvidas e distrações para demolir o espiritismo. É o “fogo amigo” dos mais atuais agentes da lisura doutrinária. Mas o caso de agora foi tão claudicante que o autor, na sua pesquisa, não conseguiu encontrar meu artigo no Reformador e meu livro Deus é o Absurdo, de 1978, em que eu memo levanto todos os paralelos com a obra de Vale Owen e de alguns outros autores. Esse meu estudo, já amplamente conhecido desde há quarenta anos e que agora estou inserindo aqui neste livro, eu o fiz, porém, antes e agora, não para pulverizar a obra de André Luiz, mas, muito pelo contrário, para confirmá-la. É que agi e ajo com respeito ao bom senso e à lógica do melhor raciocínio.
Preliminarmente, vamos a alguns dados históricos. George Vale Owen nasceu em 1869, em Birmingham, na Inglaterra. Adepto do protestantismo, em 1893 foi ordenado sacerdote, em Liverpool, indo servir em Seaford e, depois, nas cercanias de Oxford. Sua mãe era médium, faculdade que também ele desde cedo apresentava e que logo resultou numa sequência de mensagens filosóficas do espírito Astriel, descritivas da vida na espiritualidade. Publicou-as, a partir de 1920, no Correio Semanal, de Londres, com grande repercussão junto ao público, enquanto as igrejas se escandalizavam e, como não poderia deixar de acontecer, levaram-no à abdicação do sacerdócio. Com essas publicações, converteu-se ao espiritismo, naturalmente àquele espiritismo – new spiritualism – pautado na doutrina norte-americana, inglesa e européia. E, então, com 53 anos, começou a difundi-lo, de imediato nos Estados Unidos. Após dinâmico trabalho expositivo, George Vale Owen veio a adoecer gravemente e desencarnou, em meio a terríveis sofrimentos, no dia 9 de março de 1931.
A Vida Além do Véu reúne mensagens condensadas em quatro livros sob os respectivos títulos: As regiões inferiores do Céu, ditadas pela mãe do reverendo e pelo instrutor Astriel, abordando as questões da fé religiosa, da filosofia e da ciência; o segundo, Os Altos Campos do Céu, relatando a evolução do espírito na erraticidade; o terceiro, O Mistério do Céu, ditado pelo espírito que se assinou Leader e seu grupo, nome que depois ele mesmo mudou para Ariel, descrevendo a assistência dada aos espíritos que vivem nas trevas; e finalmente Os Batalhões do Céu, em que também Ariel oferece mensagens bem mais profundas proclamando os princípios espíritas e assegurando que todos os seres são alcançados pela luz de Deus. Os Prólogos da coleção foram assinados por Artur Conan Doyle, o célebre espírita criador do famoso detetive Sherlock Holmes
Como já disse, a Federação Espírita Brasileira lançou, em 1921, uma tradução da obra, elaborada pelo competente Carlos Imbassahy que, dois anos depois, em 1º de fevereiro de 1923, vai assumir o cargo de secretário do Reformador, dada a sua competência e seriedade reconhecida por todos.
Insiro aqui, desde logo, uma circunstância bastante curiosa. Acusam Francisco Cândido Xavier de plagiador, de médium trapaceiro, mas é surpreendente o que narro sobre o tradutor Carlos Imbassahy.
Tenho em meu poder cópia duma carta, assinada pelo filho dele, datada de Niterói, 23 de julho de 1953, e dirigida ao sr. Ubiracy, na qual afirma simplesmente que André Luiz é um espírito embusteiro. Diz, a certa altura: “Não sei como pensa meu pai nesse assunto, mas para mim André Luiz e Dante têm um gênio criativo muito grande e suas ambas literaturas não passam de ficção. O Nosso Lar é uma incoerência, vai contra tudo o que a ciência estabelece; para aceitá-lo teremos, inclusive, que negar o próprio Kardec; e se o restante da obra de Vale Owen se assemelha a André Luiz sou de opinião de que não deva ser traduzida. (*)”
O filho, antes de enviá-la, mostrou-a ao pai. Carlos Imbassahy, então, colocou o asterisco acima assinalado e acrescentou, de próprio punho, uma nota de rodapé, opinando com a autoridade e o conhecimento que o outro, é óbvio, nunca teve:
“(*) Não concordo. C. Imba.”
Quis dizer com isso que não concordava com a opinião do autor da carta sobre a obra mediúnica de Chico Xavier. Além de ignorar que o pai havia sido o tradutor de Owen Vale para a FEB, acabou contestado e acrescentando ao histórico dessa obra a posição firme do grande Carlos Imbassahy a favor de André Luiz, conquanto houvesse lido e até traduzido A Vida Além do Véu. Sem dúvida, penso que todos reconhecem que a opinião de Carlos Imbassahy não é de se desprezar, em especial neste caso, pois que conhecia muitíssimo bem as duas obras.
Antes das conclusões finais, vamos a um breve retrospecto. Em 1962, graves dúvidas foram levantadas sobre algumas mensagens mediúnicas psicografadas por Divaldo Pereira Franco e maldosamente espalharam uma estranhíssima carta escrita por Francisco Cândido Xavier, inaugurado-se um dos maiores escândalos no movimento espírita. Por cerca de quarenta anos desafetos do médium baiano sustentaram essa falsidade, até que em 2004 levaram o assunto para a televisão. Eu, raro personagem que conhecia as verdades verdadeiras dessa história não contive mais minha indignação e publiquei A Anti-História das Mensagens Co-Piadas, demonstrando em definitivo que não houvera plágio de nada, mas apenas a extensão de uma campanha sórdida das trevas que se aproveitara da grande agitação por que passava a terra, na década de 60. O tempo correu e, por trágica ironia, vemos agora outras figuras levantando o mesmo tipo de acusação contra o Chico. Eu quase adivinhava que os maus não desistiriam. Chegou, pois, a vez de o Chico passar pelo mesmo drama acusatório que fizeram o Divaldo passar. E assim, imponho-me agora o mesmo dever consciencial de demonstrar que também neste caso não se trata absolutamente de plágio do grande e verdadeiro médium de Pedro Leopoldo e Uberaba.
É curioso avaliar, de pronto, a contradição do libelo. Ao contrário do que se jurou durante anos, desde que o Chico surgiu como médium, ele deixa de ser visto como o semialfabetizado caixeirinho de armazém do interior e passa a alguém de muito mais talento e que poderia, sim, figurar de fato na relação dos membros da Academia Brasileira de Letras, se asumisse sem fingimento a autoria de seus textos mediúnicos. Antes era uma hipótese em defesa da impossibilidade de ele ser o autor; agora é uma certeza porque tudo foi mesmo criação dele, inteligente que sempre foi. Não existe André Luiz, os poetas não ditaram nada, tudo foi fraudado pelo caixeirinho de ótima cultura. Contudo, a colocação é de sobejo paradoxal e surrealista. Tão culto, tão inteligente, tão sabido, tão singular memorizador, mas ao mesmo tempo incapaz de produzir um plágio menos fácil de ser flagrado. Copiou ipsis litteris. Ora, convenhamos, assim é ser boboca demais...
Em A Anti-História das Mensagens Co-piadas já evidenciei que esse tipo de cotejo nada prova, em se tratando de obra mediúnica. Deveras. Pelo mesmo raciocínio podemos acusar Allan Kardec de haver plagiado vários pontos doutrinários de religiões milenares e orientalistas, como a reencarnação, o fluido universal, o fluido vital, o corpo astral, os chacras, o carma, as esferas espirituais, etc., etc., etc. No entanto, que outra visão poderiam nos oferecer os espiritos reveladores e o próprio codificador da doutrina se a verdade de que falaram era em muitos pontos a mesma? Até Jesus, no cômputo geral da sua doutrina, poderia ser acusado de plagiador, não sendo raros os exegetas que indicam frases e ideias já apresentadas no Velho Testamento, no druidismo, no masdeísmo, no hinduísmo, no platonismo. Óbvio e curial que, com sua expressão de se tratar do ser mais evoluído já surgido na terra, todas as suas observações e ensinos superaram de muito as sementes de pensamento anteriores. O edifício cristão que Jesus ergueu em cima das ideias precedentes se transformou na maior realização religiosa, científica e filosófica já oferecida à humanidade. Mas os detratores não querem saber de nada disso.
Raciocinemos. André Luiz se propôs a narrar a mesmíssima realidade do mundo espiritual que, em última análise, é aquela narrada pelos espíritos ao reverendo Vale Owen e a vários outros como, mais recentemente, a Manoel Philomeno de Miranda, através do médium Divaldo Pereira Franco. Queriam os descobridores da pólvora que ele descrevesse situações e quadros diferentes? Ora, o único enfoque diferente só poderia ser, como foi e é, a história pessoal do próprio André Luiz. Alguém que saia da Terra e se manifeste em outro planeta irá contar sobre a vida terrena algo diferente de um segundo observador? Só poderiam descrever a mesma natureza, as mesmas paisagens, a mesma água, a mesma organização política, as mesmas regras, fazendo obviamente as mesmas adaptações ao entendimento dos habitantes do outro planeta. Como repetia com frequência o assistente de Sherlock Holmes: Elementar, meus caros Watsons...
Afora Nosso Lar e Libertação, as demais obras da série se afastam quase completamente de Vale Owen, consideradas é claro algumas exceções. O “plágio” acontece apenas naquelas duas, ou seja, no trabalho mais descritivo da vida espiritual na colônia, ao lado naturalmente das pessoalidades do próprio André Luiz, inclusive antes da sua desencarnação, quanto à sua vida ainda na terra. Houve, pois, recorrências apenas na fase expositiva do cenário espiritual. Nada de mais surpreenderia se André Luiz houvesse feito uma colagem total e aplicasse uma nota de rodapé informando: “Do livro A Vida Além do Véu, dado que fatos e rotinas são na essência os mesmos.” Por que não o fez? Bem, só perguntando para ele.
Arguirão talvez que não apenas as ideias foram copiadas, mas frases inteiras. Bem, quanto a isso, não há por que contestar e me valho da mesma argumentação que usei para provar que Divaldo Pereira Franco também não copiou mensagens de Francisco Cândido Xavier. Quando, em A Anti-História das Mensagens Co-piadas confrontei o texto de Mecanismos da Mediunidade, de André Luiz, com o de O Átomo, de Fritz Kahn, minha intenção declarada foi mostrar exatamente que não foi o médium que copiou e que nada havia de grave na atitude do espírito. André Luiz não estava interessado em ensinar física para ninguém, senão aproveitar alguns aspectos dela para explicitar do melhor modo os mecanismos da faculdade mediúnica. A física está nos livros e todo dia se amplia. O que precisava ser ensinado eram os conceitos da mediunidade e suas implicações evangélicas. Igualmente agora, nada deve escandalizar o cotejo entre Nosso Lar e A Vida Além do Véu. As descrições da colônia já eram sabidas de todos os estudiosos mais atentos do espiritismo. Inclusive, como novamente demonstrei aqui, constavam elas e constam de várias outras obras bastante conhecidas e lidas. Modus in rebus, todo mundo sabia como era a colônia Nosso Lar, todo mundo lera antes a respeito. Carlos Imbassahy traduziu A Vida Além do Véu, que já está na 4ª edição; eu mesmo já publiquei artigo no Reformador, há mais de quarenta anos, provando que nada do que André Luiz disse era inédito. Se eu sabia disso, como outros estudiosos não saberiam? Esse “plágio” é mais velho que Matusalém...
Assim, é preciso entender que André Luiz não tinha como preocupação maior falar dos ministérios, dos transportes, do umbral, das trevas, das águas, etc., etc. Quanto a esses aspectos, bastaria colar de outros trabalhos já feitos e divulgados. Importante para André Luiz era inserir a sua própria história pessoal nesse maravilhoso romance espiritual. Dizer que os benfeitores iam de um lado a outro num veículo funicular denominado aeróbus (nome que pode ter sido inventado pelo André Luiz, à falta de outro melhor ajustado à realidade da “coisa”) trata-se de mera costura para compor o painel da vida espiritual. As verdadeiras e importantes narrativas estão no sentido comportamental dos espíritos albergados em Nosso Lar, nas suas histórias, suas biografias, seus processos de enfrentamento da consciência e descobrimento dos valores morais e éticos da validade de existir à conta dos deveres do amor e da revisão dos procedimentos inadequados; importante é o reconhecimento de que o amanhã existe, de que só o bem ilumina as trevas que costumamos levar no coração; importante é introjectar que a recompensa é corolário do desejo de seguir o Cristo e de deixar-se iluminar pela Verdade de Deus.
Por conseguinte, resta despiciente aplicar zoom nas linhas copiadas (e secundárias). Daí que não me constranjo em afirmar (nem André Luiz) que, em mais esse caso específico, quem copiou foi ele mesmo, foi o espírito que se manifestou, dentro de todas as razões e motivos que venho explicando e que nada têm de absurdo, de imoral, de ilegítimo. Não reproduzo todas as demais explicações do meu livro A Anti-História das Mensagens Co-piadas e de O Verdadeiro André Luiz porque a tarefa não é própria, ou seja, reduzir dois livros a um texto da internet. Porém, sintetizo o resultado final da longa argumentação, válida para o livro Nosso Lar: não foi o Chico quem copiou A Vida Além do Véu, ainda que ele pudesse ter lido a obra e tê-la na memória ou na paramemória perispiritual. Mas, com certeza não foi isso o que aconteceu. Repiso meu entendimento: foi André Luiz quem copiou, e que, inclusive, poderia (apesar de muito pouco provável) ter lido a obra de Vale Owen, enquanto encarnado como o neurologista Faustino Esposel, que viveu de 1888 a 1931, aliás, mesmo ano da desencarnação de Vale Owen. E também podem até ter estado juntos, em Nosso Lar, por que não?...
Humberto de Campos, por exemplo, informou ao presidente da Federação Espírita Brasileira (Humberto era beletrista e não historiador) que retirou de determinado livro da Biblioteca Nacional os dados da História do Brasil para escrever Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Confessou-o com a maior naturalidade. Nada demais. Nada de errado. Nada de imoral. A humanidade – inclusive os espíritas – têm muito que aprender ainda em matéria de mediunidade, de psicografia, da descida de um pensamento da dimensão espiritual para a dimensão terrestre. Há muito que evoluir, evolução que nos trará também a capacidade de medir com critérios menos maldosos os processos aparentemente fraudulentos dos que se dedicam com amor e desinteresse ao trabalho missionário da difusão do espiritismo.